quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

FRANCISCA CLOTILDE (À MINHA MÃE, 1882)

Francisca Clotilde `A MINHA MÃE
  (Hy a dans la vie des jours qui
passent mais dont le souvenir nous
accompague au tombeau).

Quero hoje relembrar o meu passado
Este tempo feliz e tão amado
Que outr’ora frui:
Chorar inda uma vez santos amores
Regar com prantos as fanadas flores
Que em botão colhi.

Oh ! meu tempo de infância tão risonho
Qual lindo perfumado e ameno sonho
Tu passaste subtil !
Mas não posso olvidar-te um só momento
A ti busca saudoso o pensamento
Oh ! meu risonho abril !

Quantas vezes, oh! Mãe, em doce enleio,
Nessa quadra feliz junto ao teu seio
Contente repousava,
De teus lábios ouvia as falas puras
Que me enchiam a infância de venturas
E feliz me julgava.

E depois de sentir os teus desvelos
De ouvir teus doces,  maternais conselhos
Que n’alma recolhia
Ia em busca das flores as mais finas
Das brancas rosas, das gentis boninas
Que para ti colhia.

E vivia feliz !.., À sombra amante
De teu carinho imenso e tão constante
Achava um doce abrigo,
Mas em breve trocou-se o riso em pranto
Desfez-se de repente o ledo encanto
Tu baixaste ao jazigo.

Fugiram-me as venturas que sonhava,
O porvir das delicias que esperava
Tornou-se uma ilusão:
Desde que baixaste a campa sinto n’alma
Uma dor tão cruel que nada acalma
Que punge o coração

Mas sempre me acompanha tua imagem,
Em horas de tristeza é a miragem
Que alenta meu sofrer;
Foi ela que guiou-me a felicidade
Que sempre pela senda da verdade
Guiou o meu viver.

O que é nossa mãe? Bem sem igual
Neste mar de ilusão é o fanal
Que nos guia o viver;
É a estrela luzente, esplendorosa
Que em noite escura, feia e borrascosa
Deus fez aparecer !

E tu oh ! minha mãe, que lá nos céus
Já habitas feliz aos pés de Deus
Enquanto eu choro aqui
Prepara para mim entre esses gozos
A paz dos loiros querubins, formosos
Um lugar junto a ti.

Francisca Clotilde. Cf: Gazeta do Norte. Fortaleza, 20/09/1882 – p. 03

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

NATAL DE SABINA (FRANCISCA CLOTILDE VIA CHICO XAVIER)

Natal!... A cidade vibra.
Desde muito anoiteceu.
Ouvem-se vozes cantando:
"Hosanas!... Jesus nasceu!..."

Rodam carros apressados,
Muitos grupos vão a pé...
A alegria, em toda parte,
Traduz esperança e fé.

Enfeites! Guirlandas! Lojas!...
Cores de todo matiz...
Quantas mães falando em Deus!...
Quanta criança feliz!...

Estrelas lembram na Altura
Alampadários em flor,
Descendo em bandos à Terra
Para um festa de amor.

Em meio de tanto brilho,
Quase de rastros no solo,
Sabina passa na rua
Com trapos a tiracolo.

Andrajos cobrem-lhe o corpo;
Na face desconsolada
Traz ainda o pó viscoso
Do leito sobre a calçada.

Abeira-se de uma casa,
Pede pão, diz que tem fome,
Afirma-se fatigada,
Há dois dias que não come...

Um senhor enraivecido
Ataca de rosto em brasa:
"O hospício fica mais longe,
Afaste-se desta casa..."

Sabina toma outro rumo,
Pede bolo à padaria,
Vem um rapaz e responde
Com manifesta ironia:

"Não vê que está na cachaça?
Não nota que cambaleia?
Saia daqui, saia agora!...
Peça bolo na cadeia"...

A pobrezinha se arranca,
Procura, em travessa ao lado,
Antiga caixa de esgoto
Num recanto abandonado.

Em torno, a cidade brilha,
Toda envolvida de luz!...
Deitada no chão de pedra,
Sabina pensa em Jesus...

Onde nascera Sabina?
Vivia, afinal, com quem?
Era inútil perguntar,
Ninguém sabia, ninguém...

Lavava roupa em fazendas,
Capinava milharais;
Depois, ficara doente...
Ninguém a queria mais.

Tivera um filho, o Antoninho,
Que lhe fora apoio à vida...
Morrera aos oito de idade,
Com febre e tosse comprida.

Desde a morte do menino,
Fazia em tudo supor,
Abatida e desgrenhada,
Que enlouquecera de dor...

Era triste, desleixada,
Andava, de déu em déu,
Se parava, era somente
A fim de fitar o Céu.

Nessa noite de alegria,
Embora sem entendê-las,
Enfraquecida e cansada,
Sabina olhava as estrelas.

Parecia o firmamento
Um campo da primavera...
Onde estaria no alto
O filho que Deus lhe dera?

Em lágrimas, recordava
O Natal de antigamente,
O barraco improvisado,
O bule de café quente...

Revia, o fel de saudade,
Os sorrisos de Antoninho,
Ao despejar-lhe nas mãos
As dádivas do vizinho...

Restava-lhe, unicamente,
Depois do filhinho morto,
Doença, frio, abandono,
Sofrimento, desconforto...

Nisso, alguém lhe surge à frente,
Homem moço em largo manto,
Por tudo e em tudo irradia
Incomparável encanto.

"Sabina - falou o estranho -
Em que pensa, triste assim?
Não vê que a cidade inteira
É um luminoso jardim?

Ela explica: - "Não, senhor,
Nada vejo, em derredor,
Quando é noite de Natal,
Meu sofrimento é maior..."

"Que quer você? - Disse o jovem -
Dinheiro? Roupas de renda?
Um tanque para lavar,
Um milharal de fazenda?

"Ah! senhor - clamou a pobre,
Tremendo na ventania -
Se o Céu me escutasse agora,
Nada disso pediria...

Como sempre, rogo em prece,
Enferma e só como estou,
O filho que Deus me deu
E a morte me arrebatou..."


"Sua oração foi ouvida..."
Ele informa, face em luz.
"Quem ouço?..." indaga Sabina.
Ele diz: - "Eu sou Jesus!..."

Do manto Dele um pequeno
Sai envolto em doce brilho...
Clama o garoto: - "Mamãe!..."
Sabina grita: - "Ah! Meu filho!..."

Encontro, surpresa, bênção,
Júbilo imenso depois...
Sabina beijava o filho,
Jesus abraçava os dois!...

Naquelas pedras de rua,
Que a luz do Céu banha e doura
Clarões pintavam em prata
Lembranças da Manjedoura.

Logo após, os três partiam
Ouvindo canções ditosas,
Em nave feita de estrelas
Emolduradas de rosas.

Em toda parte, as legendas
Que o mundo nunca esqueceu:
"Glória a Deus! Paz sobre a Terra!...
Hosanas!... Jesus nasceu!..."

No outro dia, cedo ainda,
Uma senhora na estrada,
De longe, enxerga Sabina
Como a dormir, recostada...

A dama quase supõe
Na pobre que conhecera
Um retrato da alegria
Numa escultura de cera.

Volta à casa... Traz um caldo,
Quer saber se a reconforta.
Chama Sabina, de leve,
Mas Sabina... estava morta.

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NATAL DE SABINA - 2 ed. tiragem: 5.000  - 15/05/1973

"Francisca Clotilde não é apenas a irmã que veneramos no Mundo Espiritual.
É a mestra e amiga que nos conquistou pelo coração" (Meimei).