terça-feira, 29 de maio de 2012

MARRUÁS FESTA DA PADROEIRA ANO DE 2012

Transcorreu num clima de Paz as festividades por ocasião do novenário em homenagem à Santa Rita de Cássia na comunidade de Marruás, Tauá, Ceará. Foram nove noites de novenas, com uma bela programação, inclusive com a realização da Primeira Marcha da Fé.

Marruás - Queima de Pecados, 2012
(Foto de Ana Mendes)

Marruás - Festa da Padroeira, 2012  
(Foto de Absonália Mota)

  
Marruás - Marcha da Fé 2012


Marruás - Marcha da Fé
(Foto Rosângela Cavalcante)


Marruás Festa da Padroeira Santa Rita de Cássia


Marruás - Festa de Santa Rita, 2012
Marruás - Participação dos Vaqueiros, 2012

Marruás - Naninha, Absonália, Liduína e outras
(Foto de Ana Mendes)


Marruás, Naninha Custódio Mota com filho, 
netos Edmilson, Ed Wilson/Lanuzia e Lurdiana, e bisneto Raul
(Foto de Manoel Enéas)

 
Marruás - Leilão, 2012

Marruás - Calçada da tia Bela

 Marruás - Júnior Oliveira e Anamélia Mota

sábado, 19 de maio de 2012

PRINCESA ISABEL DO BRASIL

Princesa Isabel do Brasil

"Expulsou-te o Brasil; mas, embora proscrito,
O mundo iluminou o teu régio talento
E um trono conquistaste, esplêndido infinito"
(Francisca Clotilde)

Dia 12 de maio de 2012 ganhei do meu filho Edmilson Barbosa, o livro "Princesa Isabel do Brasil: Gênero e Poder no Século XIX". Como venho estudando há algum tempo a "Literatura Feminina" do Século XIX, posso dizer que adorei o presente.

O autor da obra em apreço, Roderick J. Barman, retrata a personagem principal, Dona Isabel, como uma figura humana de uma afetividade familiar exemplar e que passou por muitos entravos em sua vida privada, assim como na esfera pública, herdeira do trono imperial.

Tentarei resumir em tópicos as mensagens principais que pude colher na leitura que fiz da referida Obra:

1. No mundo ocidental do Século XIX, nove mulheres foram monarcas ou regentes em seus países. Dentre essas mulheres, a Princesa Isabel, nascida no Brasil, no ano de 1846 e falecida em 1921.

2. A Princesa Isabel passou a infância e a adolescência num ambiente altamente patriarcal nas estruturas e nas atitudes.

3. O mundo girava em torno de D. Pedro II, e cada desejo seu era lei. Ao casar a filha aos dezoito anos de idade (1864), com um estrangeiro - Gastão d' Orléans (Conde d'Eu), o imperador intensificou o seu isolamento com relação aos brasileiros.

4. No século XIX, uma mulher casada de classe alta tinha cinco obrigações:

4.1. Servir ao esposo, dando-lhe apoio, afeição e fidelidade;
4.2 Governar o lar, tornando confortável a vida privada;
4.3 Desenvolver o papel de mediadora, conciliadora dos quatro pais e outros parentes mais velhos que ela;
4.4 Construir um círculo de amigos para proclamar o status do marido;
4.5 Parir e criar os filhos do esposo.
 
5. Primeira Regência: dia 03 de junho de 1871 - aos 25 anos - tendo como chefe de governo visconde do Rio Branco:

5.1 Educada para ser filha obediente, enquanto seu pai estivesse vivo, ela nada faria para lhe contestar o direito de conduzir os assuntos do Estado;
5.2 Em carta ao pai, datada de 04 de junho: "Ontem foi meu primeiro despacho, havia 5 ministros à minha chegada. Quando entrei na sala, fiquei abismada, 5 enormes pastas recheadas (...) Numa única cousa fiz uma reflexão: tratava-se  do pedido de exoneração do Santa Maria do cargo de inspetor da instrução pública. Julguei que eu que fui sua discípula não devia aceitar";
5.3 Eu diria que o marco da primeira regência da Princesa Isabel foi a Lei do Ventre Livre, promulgada em 28 de setembro de 1871.

6. O desejo de ser mãe"Gerar filhos sadios para o marido era finalmente cumprir o dever atribuído à esposa".

6.1 Depois de quase sete anos de casamento, em maio de 1871 D. Isabel deu sinais de estar grávida, porém, sofreu um aborto em agosto;
6.2 Depois, sofreu novo aborto em outubro de 1872;
6.3 Em julho de 1874 teve uma criança nascida morta; e por pouco não foi a óbito;
6.4 Em outubro de 1875 em um parto dificílimo nasceu o primeiro filho (Pedro de Alcântara); "Minha esposa prefere cuidar do Baby a qualquer outra coisa na vida" (conde D'Eu, maio de 1876).
6.5 Em 11 de setembro de 1876 um novo aborto;
6.6 Em janeiro de 1878 outro parto difícil nasceu o segundo filho (Luís, em homenagem ao avô paterno);
6.7 Em agosto de 1881 nasceu o terceiro filho (Antônio Augusto).
Esposa carinhosa, conforme cartas ao esposo, desta datada de 11 de junho de 1875, ela finaliza assim: "Beijo-te com o mesmo carinho com que te amo" (Isabelle).

6. Segunda Regência: (1876) - 18 meses pelo afastamento em excursão de D. Pedro II.

6.1 De março de 1876 a setembro de 1877 ela passou por uma série de provocações, na qualidade de governanta do Brasil e de atribuições na vida pessoal;
6.1.1 O fiasco da Reforma Eleitoral;
6.1.2 A Renovação da Questão Religiosa;
6.1.3 A Grande Seca.

Quando retornou ao Brasil, em maio de 1878 D. Pedro II autorizou o casal (o Conde D'Eu e a princeza Isabel) a viver dois anos fora do Brasil - o motivo principal seria o de procurar tratamento médico para o filho Pedro. Esse afastamento foi prorrogado por mais um ano e meio e o casal que levara dois filhos, retornou ao Brasil com três filhos.

7. Terceira Regência (1887-1888) - Teve como marco a votação e promulgação da Lei Áurea

7.1 O Conde d’Eu: “Não o assine, Isabel. É o fim da monarquia”. Ao que ela respondeu: “Assiná-lo-ei, Gaston. Se agora não o fizer, talvez nunca mais tenhamos uma oportunidade tão propícia. O negro precisa de liberdade, assim como eu necessito satisfazer ao nosso Papa e nivelar o Brasil, moral e socialmente, aos demais países civilizados”.
7.2 Depois da assinatura realizou-se grande festa no Rio de Janeiro, com grandes aclamações do povo. Estando a Princesa Isabel junto ao barão de Cotegipe na janela do palácio — o barão a estimava, embora estivessem em desacordo na questão da escravidão — ela perguntou-lhe: “Então, Senhor barão, V. Excia. acha que foi acertada a adoção da lei que acabo de assinar?”. Ao que o barão, com muito carinho, respondeu: “Redimistes, sim, Alteza, uma raça, mas perdestes vosso trono...”(4)
7.3
"Se é por causa da Abolição, não me arrependo; dou por bem dado perder o Trono" (Princesa Isabel do Brasil). 
7.4 A promulgação da Lei Áurea de 13 de maio de 1888, contribuiu para sua exclusão da vida pública e para o seu banimento da terra natal.


8. A Proclamação da República:

8.1 Aos 15 de novembro de 1889 o marechal Deodoro da Fonseca  proclamou a República e, no dia seguinte família real foi avisada de que teria 24 horas para deixar o Brasil.

8.2 "É com o coração partido de dor que me afasto de meus amigos, de todos os brasileiros e do País que tanto amei e amo, para cuja felicidade esforcei-me por contribuir e pela qual continuarei a fazer os mais ardentes votos" (Isabel, condessa D'Eu, Rio de Janeiro, 16 de novembro de 1889).

Na década de 1890 os filhos atingiram a idade adulta e tornaram- militares -  os três. Para preencher o vazio deixado pela partida dos filhos, ela se entregou com zelo e dedicação a todos os tipos de obras de caridades organizadas pela Igreja católica.

Com explosão da I Guerra Mundial em agosto de 1914 a vida plácida e regular mudou bruscamente: seus filhos Luís e Antonio precipitaram-se em defender a Pátria dos ancestrais. Antonio faleceu em 29 de novembro de 1918 e Luís em março de 1920.


***
Desse contexto, encontramos em nosso arquivo o soneto da solidária poeta cearense Francisca Clotilde, publicado na Revista A Estrella para o mês de abril de 1920.

D. LUIS ORLEANS

(Ao coração alanceado de Isabel, a Redentora)

É vivo o teu lugar, a cintilar na história,
Descendente de reis, o teu manto altaneiro
Há de sempre guardá-lo, aureolado de glória,
O grande coração do povo brasileiro!

Morreste sem fitar o esplendente cruzeiro
Que nos guia e conduz em bela trajetória,
Mas soubeste exaltar no país estrangeiro,
Por teu gênio imortal, tua augusta memória.

Ninguém pode privar que, num estro exaltado,
Em surtos magistrais, condor do pensamento,
Pairasses neste azul sereno e constelado.

Expulsou-te o Brasil; mas, embora proscrito,
O mundo iluminou o teu régio talento
E um trono conquistaste, esplêndido infinito.

Além desses rudes golpes pessoais, a própria saúde de Dona Isabel começou a se deteriorar (problemas cardíacos e excesso de peso), passando pelo uso da bengala, e por fim a cadeira de rodas.

Em maio de 1920, o presidente do Brasil enviou ao congresso o projeto de lei que revogava e autorizava o retorno da família real. A lei foi promulgada aos 07 de setembro do mesmo ano. A imobilidade negou-lhe uma derradeira consolação: retornar à pátria para presenciar o traslado dos restos mortais de seus pais.

Dona Isabel faleceu aos 14 de novembro de 1921. Seu corpo foi sepultado em Dreux, na França na cripta da família Orleans. Seu esposo, Gastão de Orléans, convidado que fora para as comemorações do Centenário da Independência, faleceu a caminho do Rio de Janeiro em 28 de agosto de 1922.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

SECA NO CEARÁ


SECA NO CEARÁ (TAUÁ)

CANÇÃO DO RETIRANTE

Adeus, choupana querida,
Que deixei longe, deserta,
À margem da estrada erguida
Toda de palha coberta.

Trago dor no coração,
Onde geme a nostalgia
-Lembranças do meu sertão
Não me deixam noite e dia.

Noite e dia não me deixa
Esta tristeza cruel
E eu solto, assim, minha queixa
Cheia de pranto e de fel.

Minha alma, outrora risonha,
Hoje vive soluçando,
Toda paisagem tristonha
Da minha terra lembrando.

A mata seca, sem flores,
Deserta dos passarinhos,
Que dantes seus amores
Cantavam lá, junto aos ninhos.

Seca de todo a corrente
Que ligeira e cristalina
Se estirava docemente
Entre jacarés, na campina.

Borboletas, pirilampos
Tudo passou, dura sorte!
Paira, agora, sobre os campos
A ave sinistra da morte.

Muita sede e muita fome
Sofri sem dó, sem piedade;
A dor meu corpo consome
Sinto oprimir-me de saudade.

E vou sozinho marchando,
Triste! Sem rumo e sem lar
Ando a vida procurando
Nem sei si a posso encontrar.


Antonio de Castro. Revista A Estrella.
Aracati – CE, 28/10/1915.

TAUÁ - RIO TRICI - INVERNO DE 2004
 
 


terça-feira, 8 de maio de 2012

A MULHER NA FAMÍLIA (POR FRANCISCA CLOTILDE)

É no lar, santuário íntimo de seus mais puros afetos que a mulher deve ostentar verdadeiramente a bondade a ternura de seu coração, tornando-se o anjo da guarda do esposo e dos filhos e lhes inspirando o bem e a virtude.

A natureza dando à mulher uma constituição fraca e um temperamento nervoso não a destinou à vida da luta, no seio da sociedade, entregue às agitações e ao afã dos negócios; reservou-a como uma relíquia mimosa para a família, para aformosear este pequeno mundo intimo, onde ela tem de exercer sua benfazeja influência no tríplice papel de filha, esposa e mãe.

Com efeito, se ela ultrapassando o limite que lhe foi traçado por mãe sábia e previdente atirar-se ao torvelinho do mundo, entregando-se á vida tumultuária que compete ao homem, gastará as forças e cairá extenuada sob o peso da difícil tarefa que empreendera, sem ter realizado o ideal que aspirara e conhecendo talvez muito tarde que não era este o seu papel.

flores que se desenvolvem na liberdade do campo; há outras, porém, que apenas nos limites de um jardim e cultivadas por mão hábil podem crescer e desabrochar.

A mulher assemelha-se a essas últimas flores, e no recinto da família, cercada dos cuidados dos entes que a idolatram, e por sua vez enchendo-os de desvelos e solicitude é que pode mostrar a exuberância de seu coração e a beleza de sua alma.

Houve, porém, mulheres que se imortalizaram por feitos gloriosos e que a história nos apresenta como verdadeiras heroínas.

Desde os mais remotos tempos, quando a humanidade no embrião da civilização lutava ainda com as trevas do obscurantismo, a mulher surgiu iluminada por um esplendor divino patenteando o poder e a força irresistível de sua fraqueza.

Todos os vultos femininos que admirarmos na história antiga podem ombrear com as heroínas da idade média e com as mulheres célebres da nossa época, nas quais a civilização imprimiu um beijo de luz.

Se Judith embebeu na garganta do opressor dos judeus o punhal homicida, Roland emaranhou-se na política para destronizar um rei pusilânime e aclarar a Franca com o sol da liberdade, e servindo-se do gládio de sua pena inspirada com ela acutilou o despotismo e a tirania.
Seria longo repetir os nomes dessas mulheres que se imortalizaram, mas não teremos entre nós outras heroínas iguais a essas que arrastadas pela força do gênio se atiraram na arena da luta por amor de uma idéia, ou pelo fanatismo de uma causa?
Sem sair da doce obscuridade do lar não poderá certamente a mulher figurar na história, ao lado do homem como o protótipo do virtudes cívicas; porém que melhor celebridade para ela do que reviver eternamente no coração de seus filhos, adorada, reverenciada como um modelo de virtudes e boas qualidades?

Que melhor glória do que educar futuros cidadãos que saibam honrar a pátria e engrandecê-la com o mérito que sempre resulta das boas ações?

Na família é a mulher a companheira do homem, a educadora dos filhos.

Portanto não deve esquecer nunca que dela dependem a felicidade e o futuro das tenras criaturas que nela se revêem como em um espelho que deve refletir as mais belas e puras imagens; que lhe cumpre velar incessantemente para desenvolver o bem naqueles corações ingênuos e inexperientes, procurando todos os meios para depositar neles o gérmen que deverá produzir no decurso da vida bons e salutares frutos.

Uma mãe na alma dos filhos com uma perspicácia, verdadeiramente admirável. Uma língua que balbucia, uma face que cora, um olhar que se perturba são para ela indícios de uma má ação que é preciso conhecer e cuja repetição deve ser evitada para que não traga serias conseqüências.

Então, com a doçura que ela possui, com essa previdência quase divina, segue os passos vacilantes do filho e cercando-o de uma prudente vigilância consegue desviá-lo do mal.

O menino molda-se à sua vontade, à sua influência, e guiado pelo amor solícito e desvelado que ela lhe dedica cresce nas melhores disposições, e tornando-se homem, se encontra na esposa a mesma ternura prossegue na senda do bem, da qual o poderão afastar o turbilhão de paixões desencadeadas e furiosas.

Ele pode resvalar uma vez, mas é sustido à borda do abismo por uma angélica e carinhosa mão. Retrocede, e vai buscar no asilo que abandonou um instante o esquecimento de sua loucura.

A mulher digna de sua nobre missão transforma o lar em um paraíso e consegue com um sorriso desviar dele todas as aflições, desterrar todas as tristezas.

Com uma acenada economia mantém o equilíbrio dos negócios domésticos, e coloca as despesas ao nível dos meios de que o marido pode dispor.

Desdenha os ornatos frívolos, e faz das boas maneiras e das graças que dá a educação a par da amabilidade, o seu principal adorno.

Encarrega-se de instruir o espírito dos filhos, e para isso deve possuir uma boa soma de conhecimentos úteis e uma instrução aprimorada.

Nos agradáveis serões familiares entretém com os dotes de sua inteligência o prazer e a união, evitando assim que o marido e os filhos vão procurar freqüentemente em outra parte as distrações que podem ter ao lado dela, e em um delicioso aconchego solidifica o edifício de sua felicidade, e estreita cada vez mais os laços formados pelo sangue e pelo amor.

Não quero dizer com isto que ela se abstenha de freqüentar a sociedade e que se encerre em casa, o que seria monótono e fastidioso.

Deve pelo contrário cultivar boas relações, tendo, porém, o máximo cuidado em escolhê-las, porque assim como uma amiga sincera é um tesouro de raro valor, também uma amiga fingida é uma serpente que mais cedo ou mais tarde inocula o veneno de sua alma naqueles com quem convive.

A boa esposa auxilia em todas as ocasiões com prudentes conselhos o companheiro de sua vida, e nunca o inibe de tornar-se útil á sociedade e a seus semelhantes por um exagerado egoísmo e um excessivo afeto mal entendido.

É ela a primeira a dizer-lhe o que deve fazer, e tornar fácil o que lhe parecia difícil, a compartilhar as decepções e prazeres que lhe sobrevenham nas alternativas da vida, sendo sempre a amiga desvelada e carinhosa pronta a derramar gota a gota o amor que se alberga no seu coração sobre a existência daquele a quem ligou a sua.

Não será mil vezes mais glorioso desempenhá-lo e fazer da criança um homem útil à pátria e à família do que sentar-se nos bancos de academias em busca de um pergaminho, ou acompanhar os vaivéns da política, duende fatal que deve amedrontar até os animais varonis?

Não será mais proveitoso para a mulher entreter-se horas e horas a cuidar das lides domésticas e a velar pelo bem estar da família do que entregar-se ao desempenho de cargos públicos, nos quais gasta a saúde e aniquila o espírito?

Longe vai felizmente a era obscura em que ela agrilhoada ao mais cruel preconceito e sob o jugo de uma lei bárbara era uma escrava, um simples objeto de luxo para o homem.

Hoje existe por si mesma, conhece seus deveres, pode dispor de luzes suficientes para não se perder na noite da ignorância, e fazendo do lar o seu mundo, concentrando na família as suas mais caras aspirações viverá feliz e fará a felicidade dos outros.

Educai, pois, a mulher, ajuntai aos dotes naturais que a embelezam os encantos de um espírito cultivado, avigorai-lhe os bons sentimentos, tornai-a enfim digna de educar os filhos e prepará-los para a vida completa, e ela será um diamante de inexcedível valor, a lâmpada maravilhosa a espargir luz em torno do lar, a fonte de onde dimanarão a prosperidade e a ventura de família.

F. Clotilde. Revista A Quinzena, n. 5 e 6. Fortaleza, 15 de março de 1887 e  30 de março 1887, p. 40 e 47-48.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

A SAUDADE DE UM ANJO (CONTO DE FRANCISCA CLOTILDE)



Apenas os lábios maternais contraídos por uma dor enorme pousaram o último beijo nas pálpebras arroxeadas de Lili, sua alma inocente e pura voou para o céu.
Uma nuvem dourada pelos raios do sol que acabava de nascer por trás da colina, num dia de estio brilhante e formoso transportou-a do mundo à pátria dos anjos.
E Lili pensou que sonhava ao ver-se naquela mansão de delícias, inundado por uma luz que quase lhe deslumbrava os olhos, respirando perfumes misteriosos e de uma suavidade tal que pareciam se evolar de um imenso vergel de rosas e jasmins.
Os querubins vieram recebê-lo contando hinos festivais. Tinham asas deslumbrantes e roupagens de finíssima gaze e eram todos tão lindos que Lili quedou-se a contemplá-los em verdadeiro êxtase.
Uns tangiam áureos bandolins, outros tiravam das harpas sons harmoniosos, outros enfim dedilhavam instrumentos desconhecidos com uma gentileza encantadora.
A entrada de Lili no céu era uma festa.
Os anjos levaram-no em triunfo para as moradas paradisíacas.
Atravessaram paragens luminosas onde o ar estava impregnado do aroma de incenso e mirra.
Por todos os lados brilhavam flores as mais belas e que em nada se assemelhavam às dos jardins terrenos.
Lili procurava recordar-se do que lhe havia acontecido.
Lembrava-se que estivera muito doente,  que sua mãe não se afastara um só instante de junto de seu pequeno leito, que lhe vira sempre nos olhos vestígios de pranto, que ela o beijara repetidas vezes com  muito carinho.
Tinha sentido um peso estranho na cabeça, um entorpecimento em todo o corpo. Um frio glacial se apoderara dele, sentira vontade de dormir e fechara os olhos.
Depois... Não se lembrava de mais nada.
Por isso figurava-se-lhe sonho tudo o que estava vendo. Achava-se muito à vontade entre aquela legião de anjos risonhos e carinhosos, era tão bonito tudo o que o rodeava que ele não desejava acordar.
Transformara-se em querubim. Tinha asas transparentes como os raios de uma estrela e um diadema de esplêndidos diamantes ornava-lhe a fronte.
Tornara-se leve como uma borboleta e voava inebriado de felicidade a par de seus amiguinhos por entre o exército de bem aventurados e virgens cercadas de esplendor divinal.
Aproximaram-se de um trono iluminado por um fulgor ainda mais belo e intenso.
Os perfumes tornavam-se mais embriagantes, os cantos mais ungidos de amor junto do sólio majestoso do santo dos santos.
Lili ante aquele espetáculo surpreendente e sublime compreendeu o que acontecia. Estava no céu.
Aquela deleitável habitação era o paraíso. Sua mãe falara-lhe tantas vezes.
-           Se fores bom e obediente, meu filho, diria-lhe ela, Deus gostará de ti e  te reservará um lugar junto de seu trono.
Realizara-se a promessa; ele estava perto do trono de Deus.
Mas então tinha morrido sem sentir dor alguma. A doença lhe havia minado pouco a pouco a existência e ele se finara como flor a que falta seiva e orvalho.
Como era bom morrer pequenino!
No céu só havia risos, músicas e perfumes; nem um rosto triste,    nem    uma sombra de dor.
Deus beijava as frontes dos seus anjos com ternura do pai e a Virgem alisava-lhes os louros cabelos, envolvendo-os em carinhos verdadeiramente maternais.
O mundo era tão feio e triste!
Pequenino como era Lili não compreendera suas misérias e sofrimento; mas vira muita lágrima nos olhos dos pobres que estendiam a mão pedindo com que matar a fome. Crianças de sua idade andavam quase nuas e descalças através das ruas nos longos dias de inverno expostos à chuva e à lama.
No céu, porém, eram todos formosos como um riso d’alvorada, trajavam riquíssimas galas, não havia ricos nem pobres, todos sentiam o mesmo prazer e tinham direito à mesma felicidade.
Mas no meio daquele viver inexprimível daqueles gozos sem mácula que transportavam as almas eleitas em um rapto de íntima adoração aos pés de Deus, entre aqueles cânticos que deliciavam os ouvidos e aqueles aromas que se espargiam cada vez mais suaves, cercado da infinidade de querubins e serafins que acompanhavam o séqüito imponente das virgens e dos justos Lili teve saudades do mundo.
Lembrou-se de sua mãe que lhe queria tanto e que devia estar inconsolável pela sua morte.
Teve sede de seus beijos, de seus afetos, de todas aquelas carícias com as quais ela o festejava quando abria os olhos todas as manhãs.
O céu com todos os anjos, arcanjos, virgens, santas e mártires não valia um só dos afagos dela.
E Lili sentiu uma saudade profunda. Trocaria tudo aquilo que ainda há pouco o extasiava por alguns dias mais passados junto de sua mãe.
Deus viu o que se passava na alma do pequeno querubim e se apiedou de sua tristeza.
A mesma nuvem dourada envolveu-o como uma rede de luz e opala, e em breve foram desaparecendo a seus olhos todas as belezas e esplendores da mansão bem aventurada.
Lili viu-se no seu leito e sentiu nos lábios a doçura de um beijo de sua mãe, ao mesmo tempo que um alegre raio de sol vinha brincar-lhe no rosto.
JANE DAVY (Pseudônimo de F. Clotilde), Cf. A QUINZENA, 23 de fevereiro de 1888.
 

A JANGADA E O JANGADEIRO POR FRANCISCA CLOTILDE

FRANCISCA CLOTILDE

A JANGADA

Em face do mar, contemplando a jangada que desliza garbosa sobre a esteira azulada das águas, volve-se o meu espírito para a gloriosa campanha do abolicionismo na terra que amo com estranhado desvelo.

Relembro a quadra feliz em que o ideal da liberdade dominava todos os espíritos, fazendo as lagrimas dos captivos transformarem-se em sorrisos de esperança.

Quando o heróico jangadeiro bradou com sua linguagem rude e sublime: - Aqui não se embarca mais um escravo! - fechado assim o porto a um dos mais vis comércios que podiam ser realizados entre gente civilizada, um fremito de entusiasmo agitou aqueles que pugnaram pela causa santa e novos horizontes se dilataram para os miseros filhos da raça precita. Era o arranco generoso de um coração livre que repercutira em muitos outros, limpando da superficie dos verdes mares a mancha que neles deixara a passagem dos navios negreiros.

Que festas deslumbrantes não comemoram o magno acontecimento! As emoções tolhiam o verbo potente do Dr. Almino e as suas frases de fogo crystalizaram-se em lágrimas de júbilo como os que numa explosão de entusiasmo lhe correram ao longo das faces a 24 de Maio no palacete da Assembléia, onde em uma apoteose de sorrisos e de flôres se glorificava a Fortaleza pela abolição de seus escravos.

Aquelas noites hibernais tinham luares de alegria, reverbéreos de patriotismo que deslumbravam, quando o prestito libertador percorria as ruas, ostentando-se nas mãos de nossas gentis patricias, os símbolos dos municipios que já haviam recebido o beijo da aura civilizadora.

Assim, todas as vezes que sobre o dorso agitado dos mares vejo passar a jangadinha veleira, repassando os episódios da mais bella das campanhas, tenho ufania de ser cearense e sinto desejos de proclamar aos quatro ventos as glorias imorredouras de minha terra.

F. Clotilde. Outubro - 07. Biblioteca Pública, RC 372.4, A 615 - 1908 - p 365 – 367.

O JANGADEIRO

Indômita coragem brilhava no olhar do rude jangadeiro que, postado junto à praia, ouvia o marulhar das ondas, contemplando o horizonte que se estendia limpido, apresentando naquela tarde o azul esmaecido dos dias hiemais
.
A jangadinha veleira balouçava-se nas vagas parecendo adornar a caricia forte do oceano e mais longe o navio aguardava os passageiros que demandavam as plagas do Sul.

Uma leva de escravos, escoltada pelo sinistro mercador de carne humana, aproximava-se tristemente.

Braços unidos, corações despedaçados,  os míseros envolviam um último olhar para os areias  alvejantes da terra da pátria que iam deixar para sempre.  Lágrimas profusas brilhavam naqueles rostos onde a fatalidade estampara desde o berço o ferrete da maldição de Cham.

O que os esperava nas paragens do Sul?  O engenho, o trabalho forçado, a tarimba, a minguada ração, o azorrague do feitor cruel, o opróbrio, a miséria enfim!

Ali a escravidão ainda era mais negra!...

E se aproximavam os míseros da praia, enquanto o marulho das ondas quebrava a monotonia da tarde que passava.

O filho do mar compreendeu a extensão daquela dôr que extravasava em prantos; olhou a casaria branca de Fortaleza sombreada de coqueiros, iluminada pelos revérberos do sol triunfante que afugentara as névoas hibernais. Um grande sentimento de compaixão ergue-se-lhe noíintimo; a revolta da consciência sobrepujou ao dever de jangadeiro.

Sugestionou aos companheiros a greve mais honrosa que se tem registrado na história da humanidade e o brado vibrante que imortalizou o seu nome suplantou os protestos do negociante negreiro que não queria ser estorvado no seu comercio vantajoso.

Como um clarim apregoando as harmonias da liberdade saiu dos lábios do “Dragão do Mar” o grito humanitário e potente: “Neste porto não se embarca mais um  só escravo!”


F. Clotilde. Folha do Commercio. Fortaleza, 26 de março de 1911.