Cândido Meireles
KINAMUIU E RIO TRICI
(Foto de Manoel Enéas, 2004)
KINAMUIU
Por Cândido Meireles
Quando o meu corpo for, amada esposa,
Matéria inerte, pede aos meus amigos
Que não lhe dêem túmulo nem lousa,
No cemitério, entre os demais jazigos.
Matéria inerte, pede aos meus amigos
Que não lhe dêem túmulo nem lousa,
No cemitério, entre os demais jazigos.
Não porque eu tenha medo à cova escura,
Nem as famintas larvas sepulcrais,
Quando minha alma já mais leve e pura,
Para acima dos lados mundanais.
Nem as famintas larvas sepulcrais,
Quando minha alma já mais leve e pura,
Para acima dos lados mundanais.
Não porque fuja as vozes doloridas,
Dos esguios ciprestes gemedores,
Onde, segundo velhas crenças idas,
Penam almas de antigos trovadores.
Dos esguios ciprestes gemedores,
Onde, segundo velhas crenças idas,
Penam almas de antigos trovadores.
Não porque odeio a eterna solidade
Do campo santo, à noite, às horas mortas
Eu que pressinto a eterna claridade,
Que brilha atrás dessas sombrias portas.
Do campo santo, à noite, às horas mortas
Eu que pressinto a eterna claridade,
Que brilha atrás dessas sombrias portas.
Não! Amo, sim, a luz da natureza,
E, a respeito de toda a inanidade
Da vil matéria fria e sem beleza,
Quero o meu corpo em plena liberdade.
E, a respeito de toda a inanidade
Da vil matéria fria e sem beleza,
Quero o meu corpo em plena liberdade.
Assim, quando o letárgico momento
Cheguem, em que esta minha alma redimida,
Não for que a forma do meu pensamento,
Livre no espaço, à luz de uma outra vida…
Cheguem, em que esta minha alma redimida,
Não for que a forma do meu pensamento,
Livre no espaço, à luz de uma outra vida…
Que levem, pois, meu corpo, e em doce calma,
À, sobre aquele bloco de granito,
Dessa Kinamuiu que o vento ensalma,
Deixem-me então fazer sob o infinito.
À, sobre aquele bloco de granito,
Dessa Kinamuiu que o vento ensalma,
Deixem-me então fazer sob o infinito.
Deixem-no junto ao colossal madeiro,
Que o padre – cura mandou por – sagrado!
Dos ecos no voraz desfiladeiro,
A marcar mais um século tomado.
Que o padre – cura mandou por – sagrado!
Dos ecos no voraz desfiladeiro,
A marcar mais um século tomado.
Deixem-no lá, ao sol, à chuva, ao vento.
Dividido, mudo, abandonado ao ermo…
Sem dores, sem tristezas, sem lamentos.
Meu velho e gasto corpo de astafermo...
Dividido, mudo, abandonado ao ermo…
Sem dores, sem tristezas, sem lamentos.
Meu velho e gasto corpo de astafermo...
Deixem-no lá, da lajem na aspereza,
Abandonado as mutações impuras,
Que aves do céu virão, tenho certeza,
Meu coração levar para as alturas.
Abandonado as mutações impuras,
Que aves do céu virão, tenho certeza,
Meu coração levar para as alturas.
Porque do poeta, o coração amado,
Deus não consente apodrecer no lodo,
Fica no espaço em luz embalsamado,
Novo astro a luzir no Imenso – todo.
Deus não consente apodrecer no lodo,
Fica no espaço em luz embalsamado,
Novo astro a luzir no Imenso – todo.
E tu, Kinamuiu – eterna e linda.
Catedral de almas ritos singulares.
Guarda o corpo do vate, que se finda,
No silêncio aromal dos teus altares.
Catedral de almas ritos singulares.
Guarda o corpo do vate, que se finda,
No silêncio aromal dos teus altares.
Tu, que as Eras afrontas altaneira,
Ungida à luz dos fulgos arrebóis,
Se dos meus restos a era derradeira,
Banhada assim de aromas e de sóis.
Ungida à luz dos fulgos arrebóis,
Se dos meus restos a era derradeira,
Banhada assim de aromas e de sóis.
Cândido Meireles - nasceu em Tauá aos 16 de dezembro de 1895, filho do Promotor de Justiça Dr. Gervásio Meireles e de Dona Aurelina Cândido Meireles. Aos 16 anos ingressou no Seminário, de onde foi afastado, dois anos depois por motivo de doença. Concluiu Odontologia na Faculdade de Odontologia e Farmácia do Ceará em Fortaleza, na turma de 1918. Fez parte do Recreio Literário Soriano Albuquerque (1919), em cujo órgão oficial – A Conquista, escrevia constantemente. Exerceu por algum tempo, o cargo de Inspetor-chefe do Serviço Odontológico Escolar. Colaborou em quase todos os jornais e revistas de Fortaleza da Época, com trabalhos em prosa e verso. Sócio efetivo da Associação Cearense de Imprensa. Poeta consagrado foi Membro da Academia Cearense de Letras. Cândido Meireles é Patrono da Cadeira Nº 40 na Academia Tauaense de Letras, cuja Cadeira é ocupada pelo engenheiro Manoel Enéas Alves Mota.
Nenhum comentário:
Postar um comentário