quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

CÂNDIDO MEIRELES

Cândido Meireles
KINAMUIU E RIO TRICI
(Foto de Manoel Enéas, 2004)

KINAMUIU
Por Cândido Meireles

Quando o meu corpo for, amada esposa,
Matéria inerte, pede aos meus amigos
Que não lhe dêem túmulo nem lousa,
No cemitério, entre os demais jazigos.

Não porque eu tenha medo à cova escura,
Nem as famintas larvas sepulcrais,
Quando minha alma já mais leve e pura,
Para acima dos lados mundanais.
Não porque fuja as vozes doloridas,
Dos esguios ciprestes gemedores,
Onde, segundo velhas crenças idas,
Penam almas de antigos trovadores.
Não porque odeio a eterna solidade
Do campo santo, à noite, às horas mortas
Eu que pressinto a eterna claridade,
Que brilha atrás dessas sombrias portas.
Não! Amo, sim, a luz da natureza,
E, a respeito de toda a inanidade
Da vil matéria fria e sem beleza,
Quero o meu corpo em plena liberdade.
Assim, quando o letárgico momento
Cheguem, em que esta minha alma redimida,
Não for que a forma do meu pensamento,
Livre no espaço, à luz de uma outra vida…
Que levem, pois, meu corpo, e em doce calma,
À, sobre aquele bloco de granito,
Dessa Kinamuiu que o vento ensalma,
Deixem-me então fazer sob o infinito.
Deixem-no junto ao colossal madeiro,
Que o padre – cura mandou por – sagrado!
Dos ecos no voraz desfiladeiro,
A marcar mais um século tomado.
Deixem-no lá, ao sol, à chuva, ao vento.
Dividido, mudo, abandonado ao ermo…
Sem dores, sem tristezas, sem lamentos.
Meu velho e gasto corpo de astafermo...
Deixem-no lá, da lajem na aspereza,
Abandonado as mutações impuras,
Que aves do céu virão, tenho certeza,
Meu coração levar para as alturas.
Porque do poeta, o coração amado,
Deus não consente apodrecer no lodo,
Fica no espaço em luz embalsamado,
Novo astro a luzir no Imenso – todo.
E tu, Kinamuiu – eterna e linda.
Catedral de almas ritos singulares.
Guarda o corpo do vate, que se finda,
No silêncio aromal dos teus altares.
Tu, que as Eras afrontas altaneira,
Ungida à luz dos fulgos arrebóis,
Se dos meus restos a era derradeira,
Banhada assim de aromas e de sóis.


Cândido Meireles - nasceu em Tauá aos 16 de dezembro de 1895, filho do Promotor de Justiça Dr. Gervásio Meireles e de Dona Aurelina Cândido Meireles. Aos 16 anos ingressou no Seminário, de onde foi afastado, dois anos depois por motivo de doença. Concluiu Odontologia na Faculdade de Odontologia e Farmácia do Ceará em Fortaleza, na turma de 1918. Fez parte do Recreio Literário Soriano Albuquerque (1919), em cujo órgão oficial – A Conquista, escrevia constantemente. Exerceu por algum tempo, o cargo de Inspetor-chefe do Serviço Odontológico Escolar. Colaborou em quase todos os jornais e revistas de Fortaleza da Época, com trabalhos em prosa e verso. Sócio efetivo da Associação Cearense de Imprensa. Poeta consagrado foi Membro da Academia Cearense de Letras. Cândido Meireles é Patrono da Cadeira Nº 40 na Academia Tauaense de Letras, cuja Cadeira é ocupada pelo engenheiro Manoel Enéas Alves Mota.

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