domingo, 12 de junho de 2011

O SOL E A LUA (DIÁLOGO) POR FRANCISCA CLOTILDE

SOL: Eis-me diante de ti, graciosa rainha da noite! Embora considerado soberano desta imensidade azul que se estende sobre nossas frontes, não hesito em depor a teus pés a realeza e confessar-me o mais humilde de teus vassalos.

LUA: Lisonjeiro! Não é de tua luz que eu brilho? Não és tu que espalhas vida e animação sobre a natureza? Quando despontas, as flores sorriem, cantam as aves, murmuram as linfas, com mais doçura tudo se reanima e exulta.

SOL: Sim, eu sou a fonte de vida e de calor. Sem mim, ninguém existiria. Nas regiões que sentem a minha influência tudo se renova e se aquece. Há árvores colossais, animais invencíveis, aves harmoniosas e flores de uma variedade soberba; onde chegam obliquamente os meus raios, há solidões e gelo, apenas florinhas enfezadas quebram a monotonia dessas paragens desoladas, e eu posso aparecer por à meia-noite sem causar assombro.

LUA: És grande realmente, mas ninguém pode afrontar tua luz que deslumbra. Eu posso ser contemplada à vontade. Os habitantes do planeta, em torno do qual eu giro, vêem o meu rosto prateado e sereno e cismam ao meu doce clarão. Poetas e trovadores exaltam-me em harmoniosas estrofes.

SOL: És inconstante e por isso tão decantada. Nem sempre te mostras do mesmo modo. Na frase de um poeta célebre vê-se o teu rosto, ora meio, ora inteiro, e há noites em que não apareces, entretida talvez em amoroso colóquio com algum planeta galanteador.

LUA: Que súdito revoltado és tu? Não disseste há pouco que eu era a rainha desse firmamento constelado, maior que Altair, mais brilhante do que Sírio, mais sedutora do que Eridano?

SOL: Sou teu escravo quando te contemplo, sem nuvens, nesse espaço azul, empírico de nosso poder; mas não posso deixar de censurar-te quando te ocultas, deixando a terra envolta em trevas. Para onde foges que embalde te chamam os jovens entusiastas, vogando na corrente de um rio em ligeiro barquinho ou suspirando no relento em deliciosos sonhos de amor?

LUA: Para onde fujo? Obedeço às leis que me foram traçadas e cumpro as ordens do Eterno. Nem sempre um reflexo meu vai beijar o lírio que desabrocha, nem sempre me a onda inquieta na superfície vastíssima do oceano, e por isso me torno mais desejada.

SOL: Eu, sempre brilhante, assisti a gloriosos combates. Napoleão — o maior guerreiro do mundo — sentiu-se reanimado quando eu brilhei em Austerlitz, flamejando-lhe a espada invencível. Vi mil batalhas e milhares de lances heróicos. Assisti a espetáculos tremendos e foi ao meu clarão que o mundo passou por transformações espantosas.

LUA: E quantos combates de espírito não se travaram em horas mortas, quando a minha claridade se espraiava sobre a terra adormecida, sendo o coração protagonista desses dramas íntimos mais terríveis que as lutas dos guerreiros! Romeu e Julieta expandiram o sentimento que os unia, quando fitavam meu rosto por entre as árvores dos jardins de Verona. Não foi em minhas noites prediletas que Ofélia deslizou na corrente morta na primavera da vida, sonho desfeito, áurea visão de felicidade que fugiu para sempre?

SOL: Sim, és romântica e eu sou prosaico, sonhas e eu velo, presides a hora do repouso e eu exerço minha ação no momento do trabalho, assistindo ao desabrochar da flor, à construção dos ninhos, a todos os progressos.

LUA: Queimas com o teu calor, eu suavizo com a doçura da luz que me emprestas, a qual sei modificar para proveito da humanidade. Tu arranca lágrimas dos olhos, e eu, suspiros de corações.

SOL: Bravo! Disse isto algum poeta sonhador que com este dito te seduziu. Bem, vou seguir a minha órbita. Eclipsei-me para conversar contigo; agora vou despertar com os meus raios a camponesa na sua casinha rústica e fazer o lavrador ir semear o terreno que deve receber a chuva fertilizadora.

LUA: Retiro-me porque receio que os homens tentem chegar até mim em um projétil, como idealizou a imaginação de Júlio Verne, e vou inspirar um artista que deseja compor uma cançoneta. Adeus, quando nos encontraremos outra vez?

SOL: Por este espaço flutua,
Do alvorecer ao arrebol,
Minha grandeza, que a tua
Não vale um raio de sol.

LUA: Mas, ao meu doce clarão,
Os sonhos da mocidade
Infiltram no coração
Um lenitivo à saudade.

F. CLOTILDE. Revista A Estrella. Aracati - CE, out. de 1910.
MUZART, Zahidé Lupinacci (Org.). Escritoras Brasileiras do Século XIX. Vol II. Santa Catarina: Editora Mulheres, 2004 p.173-175.

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