quinta-feira, 9 de julho de 2015

SONETOS CENTENÁRIOS (FRANCISCA CLOTILDE, 1915)

FRANCISCA CLOTILDE
 
Há 100 anos (1915) o Ceará enfrentou uma das maiores Secas de sua história. Na poética de Francisca Clotilde encontramos alguns sonetos do referido ano, os quais transcrevemos:
 
NO CALVÁRIO (Ao Frei Marcelino de Milão)
 
Ergue-se a cruz no monte! As sombras lutulentas
De um eclipse de sol a terra toda envolvem;
Tudo sofre e se agitam, as pedras se revolvem,
E mortuárias visões, das tumbas surgem lentas.

Aqui e ali se veem criaturas macilentas
Que mesmo na aflição os seus olhares volvem
Para o Mártir divino, a blasfemar cruentas
E outra há que a adorá-lo, enfim já se resolveram.

Um gorjeio não se ouvem... A turba emudecida
Em face da tragédia horrorosa, deicida.
Desvenda o mundo inteiro, o mais triste cenário.

Somente o amor de mãe, inquebrantável, forte,
Não vacila, e resiste ao suplício, a morte.
Brilhando como o céu, nas trevas do calvário.
 
(F. Clotilde. Revista A Estrella, março de 1915).
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PRECE 

Oh! Bendita Virgem, Mãe piedosa,
Nívea dos céus, Maria Imaculada
Dentre as flores do céu mística rosa
Entre as mulheres, Santa proclamada!

Tua pureza Angélica e ilibada 
Não teve manchas... Linda, fulgurosa
É corno de uma estrella, a luz radiosa
Que esgarça a treva aos beijos d’alvorada.

Conforta o nosso pranto, escuta a prece
Do triste, do exilado que padece,
Nesta vida cruel, desoladora;

Oh! Tu, Onipotente junto a Deus,
Desprende sobre nós do azul dos céus 
Tua benção de Mãe consoladora.

(F. Clotilde. Revista A Estrella, abril de 1915)
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MAIO (Ao A. Ferreira)

Eis que Maio chegou! Mas triste e desolado,
Sem primores de rosas e graças de boninas,
Já não ostenta o verde alegre das campinas,
Semelha um pobre rei de galas despojado!

Crestou do vento ardente, a louçania aos prados
A terra calcinou-se, e no vale, nas colinas
Já não tem o dulçor da linfa cristalina
Domina a solidão nos eternos descampados.

Rosas morrendo ao sol! Até sobre os altares
Da virgem sacrossanta, ela não vem aos pares
Exalar o seu perfume em grata suavidade.

Pobre Terra da Luz! Não tens mais primavera,
E, em vez de flores mil, que tinhas noutras eras,
Envolve-te a tristeza outonal da saudade! 

F. Clotilde. Revista A Estrella. Aracati, maio de 1915.
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MISTÉRIOS 

Há um encanto secreto, um mistério insondável
No seio da floresta, e o seu recesso esconde
Tanta coisa ideal, sobre a rendada fronde,
Na beleza sem par, selvática, admirável!

A ave que desata a voz límpida, inefável
A voejar pelo azul exprime de onde em onde
Um idílio de amor que a brisa responde
E o aroma a se espargir , num eflúvio adorável.

Nos esponsais da flor, oh! que ternura existe!
Que pode compreender a força que persiste,
A vibrar no mistério, a palpitar no arcano? 

Quem pode do porvir traçar o itinerário,
Investigar quem ousa o pensamento vário
E o supremo mistério – o coração humano?

(F. Clotilde. Revista A Estrella, Jul. de 1915)
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TEU NOME

É bálsamo de amor que os lábios suaviza
É cântico do céu... encanta, atrai, consola,
Essência lirial que para Deus se evola,
É hino de esperança e as dores ameniza.

Maria! Ao repetir teu nome se matiza
De bênçãos meu viver que a dor cruel.
Doce réstia de luz, confortadora esmola
Da graça e do perdão que as almas sublimina.

Permite, oh! Mãe bondosa, oh! Virgem sacrossanta
De teu nome ideal que a melodia santa,
Vibrando dentro em mim as horas de amargura,

Seja a nota eternal, a nota harmoniosa
Que minha alma murmure, a te fitar ansiosa,
Estrela que nos guia à pátria da ventura! 

(F. Clotilde. Revista A Estrella, julho de 1915).
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PARA O IGNOTO
(Ao ilustre Cel. Probo Câmara)

 
Eles têm que partir!... A caravana triste
Despede-se a chorar de doce abrigo,
No campo nem sequer uma florzinha existe,
O flagelo varreu todo o esplendor antigo!

A casinha, esta sim, tão alva inda persiste,
Inda guarda o verdor o juazeiro amigo;
Mas, lá longe, na estrada, o horror, o desabrigo,
A saudade cruel a que ninguém resiste!
E eles têm de partir! O rossicler do dia
Já brilhou no horizonte em clarão de agonia,
A lembrar-lhe o exílio em um país remoto.

Olham mais uma vez a casa... o céu azul
E se vai chorar o triste bando exu,
Em procura do Além, em busca do Ignoto.
 
(F. Clotilde. Revista A Estrella, Aracati, ago/set. de 1915).
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VÉSPER
 
A noite faz-se bela e iluminada
Vésper brilhante, a confidente amiga
Surgiu no azul, estrela abençoada
Cujo fulgor os corações abriga!
 
E, da tela infinita a luz dourada,
Essa luz que consola e que mitiga
A saudade, o pesar, a dor antiga
No eflúvio do céu carícia amada.
 
Desperta dentro de mim viva lembrança
Da ventura que foge e não alcança,
Porque no mundo tudo é falso e vão.
 
E, enquanto pelo céu Vésper fulgura,
Sinto envolver-me a sombra da amargura,
A noite sem estrela e sem clarão.
 
F. Clotilde. Revista A Estrella, dez de 1915. 

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