sexta-feira, 21 de outubro de 2011

FRANCISCA CLOTILDE (19 de outubro de 1862 - 08 de dezembro de 1935)

"Onde há a lembrança, o passado,
a memória, a imaginação, a interpretação,
aí está o desafio de se contar alguma coisa,
aí está a Literatura e aí está a História"
      (Eliane Lopes)

Celebrando a data de Nascimento da professora, abolicionista, poetisa, jornalista, contista, romancista, política e teatróloga FRANCISCA CLOTILDE, veremos o que dizem os historiadores a respeito de sua trajetória educacional e literária:

A Professora – Francisca Clotilde - deixou no magistério do Ceará uma tradição honrosa de competência e dedicação. Foi na Escola Normal que a conheci lecionando no curso anexo, rodeada de discípulas que a adoravam. Quantas vezes, inquieta e sobressaltada, não desci à sua tenda de trabalho para pedir o auxilio de sua ilustração! Grata lembrança essa dos 18 anos em que eu atacava rudemente a gramática com a mesma sem-cerimonia com que se desfolha uma flor dada por mão importuna. Neste tempo esses lábios sabiam sorrir e uma ciência superficial e van, estupidamente inútil não lhe havia esterilizado o coração. Ainda me recordo de uma composição que o 1º ano devia fazer - A Tempestade. Eu e muitas fomos pedir a dona Francisca Clotilde que expurgasse dos erros mais graves os themas; enquanto os corrigia seu sorriso fino e bom não deixava de aflorar. É que tinhamos escrito cousas que fariam admirar ao próprio Dante. E como a bondade é o apanágio das almas superiores, a Ilustre cearense reune mais esta insigne virtude às suas belas qualidades de amiga, e de escritora (A Cidade, Sobral, edição de 25 de outubro de 1904 In: CUNHA, Cecília, 1998).

O Externato Santa Clotilde, fundado em 15 de janeiro de 1893, pela professora poetisa e romancista Francisca Clotilde, na Praça Marques de Herval, nº 06, hoje Praça José de Alencar. O programa é o mesmo do Curso Anexo à Escola Normal e o horário  das 11 às 3 1/2 da tarde (Raimundo Girão. Educandários de Fortaleza, 1956)

Conheci-a como professora pública em Baturité, em minha meninice, aí por 1904. Minha mãe era muito sua amiga, aproximou-nos. Foi ela quem corrigiu os meus primeiros versos e me ensinou os segredos da metrificação. Sua modéstia e a obscura vida de educadora no interior cearense estiolaram-lhe o vigor da inteligência, que não teve a projeção que a faria um dos nomes mais queridos das nossas letras femininas (LINHARES, Mário. História Literária do Ceará, 1948).

Jamais esquecerei as sábias lições de civismo, a sua bondade inigualável, a sua extrema tolerância e suave meiguice (Stela Barbosa Araújo - Ex-aluna em Aracati, Ceará - Membro da Ala Feminina da Casa de Juvenal Galeno In: Mulheres do Brasil Vol.1).

No dia 24 de fevereiro de 1908 ela deixava a cidade de Baturité, embarcando a 4 de março para a cidade de Aracati, aonde chegou a 5 do mesmo mês a convite de pessoas de destaque daquela localidade. Ali chegando, no dia no dia 9 de março, fundou o Externato Santa Clotilde, onde na realidade se educou a elite da juventude da terra dos “bons ares”. Colégio misto – o melhor de toda a zona jaguaribana, de onde, aliás, lhe vieram igualmente alunos de ambos os sexos (Mulheres do Brasil, 1971).

Seu nome esteve em evidência, a partir da última década do século passado, já nas páginas de jornal e revista. Um ativo e atrevido jornalismo ideológico e político (Otacílio Colares. Lembrados e Esquecidos).

Através do conto, Francisca Clotilde faz os primeiros passos, apercebendo e aprimorando-se para o cultivo de outro gênero, de maior amplitude e complexidade: o romance (Dolor Barreira, História do Ceará).

No romance “A Divorciada” ela visa com inegável competência apresentar uma mensagem de observação dos hábitos sociais da Época. Pretendendo auxiliar os leitores a entrarem na complexa problemática do divórcio, na tão discutida questão do casamento que não deu certo. Antecipou-se a tudo e a todos (Olga Monte Barroso, "Quem são Elas").

A conhecida escritora cearense, Francisca Clotilde, teve a gentileza de oferecer-nos o seu romance - A Divorciada, que forma um belo volume de duzentas e trinta e três páginas. A urdidura do romance é simples, mas bem travado com a concepção, corre suavemente, sem sobresalto, sem rebuscamento, despreocupado e natural. Com esses elementos, arquitetou a simpática escritora um romance muito interessante, onde a emoção sem muito se elevar, distribui-se com arte, dando relevo às cenas e prendendo continuamente a atenção do leitor até o desenlace. Agradecemos a oferta, felicitamos a distinta romancista (Amélia Beviláqua, Revista O Lyrio, Recife, PE).

Tendo iniciado o magistério aos 12 de junho de 1882, exerceu-o até os últimos dias de sua vida, pois a 30 de novembro de 1935, deu, pela derradeira vez as férias ao Externato Santa Clotilde, falecendo 8 dias após, aos 73 anos, passando, portanto, mais de 53 anos de profícuo e afanoso lutar em prol de desenvolvimento intelectual da mocidade cearense, sendo a maior parte desse tempo, ou seja, mais de 27 anos, na cidade de Aracati, onde estão, ainda hoje, os seus restos mortais (Stela Barbosa Araújo - ex-aluna em Aracati. Ceará).

Eis, portanto, uma amostra da trajetória educacional e literária de Francisca Clotilde, uma desbravadora de caminhos, uma mulher de coragem. Exemplo para muitas gerações. Tenho pelo seu trabalho muito carinho e muita admiração.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

PARA A HISTÓRIA DE TAUÁ - PADRE ALEXANDRE FERREIRA BARRETO

De uma família que tinha o seu Solar na fazenda Cajazeiras, a três quilômetros de Tauá. Ordenara-se em Olinda ao tempo em que o curso sacerdotal parece que se limitava a um pouco de latim, de liturgia, de história sacra, de retórica e de teologia moral e dogmática.

Celebrava, batizava, confessava. Tinha uma admirável voz de baritono. Na Glória in cxcelsis, no Deo gratis, quando se cantava a Missa de Muribeca; no Stabat mater das vias sacras, pela Quaresmas; ou em um Taantum ergo, de certo o único que aprendera no Seminário, era grandioso, inexcedível, profundo como um órgão de Catedral.

Já muito alquebrado pela idade e cardíaco, ainda cantava; cantava com a voz trêmula, cansada, porém, com o mesmo timbre de suavidade, de doçura, de unção. As suas ovelhas adoravam-no: ali nascera, ali passara a sua meninice, ali desempenhara, tranquilo, toda a sua missão sacerdotal.

Agravando-se-lhe a moléstia, resolveu-se transportá-lo para Fortaleza. Não podendo montar, foi conduzido em uma rede para uma liteira, onde viajaria até Quixeramobim, a cinquenta léguas de Tauá, nesse tempo, ponto terminal da estrada de Ferro de Baturité.

No momento da partida, toda a população, até octogenárias, trêmulas e curvadas sob o peso dos anos, que o viram menino e lhe beijavam a mão, enternecidas, de joelhos em torno da liteira, e chorando, faziam preces pelo velho pastor que nunca mais teriam de ouvir.

Meses após, o sino de Tauá anunciava a sua morte, dobrando plangente, doloroso, talvez com saudade do tempo em que juntos embalavam aquelas almas rústicas e singelas na mesma risonha visão de eternidade.

PIMENTA. Joaquim. Retalhos do Passado. Rio de Janeiro: Departamento da Imprensa Nacional, 1949 p. 22-23.

Segundo Antonio Gomes de Freitas, em Inhamuns Terra e Homens, no capítulo Formação Eclesiástica da Freguesia de Nossa Senhra do Rosário de Tauá, Padre Alexandre Ferreira Barreto foi pároco em Tauá de 1879 a 1898.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

FRANCISCA CLOTILDE: A EDUCAÇÃO MORAL DA CRIANÇA NA ESCOLA

FRANCISCA CLOTILDE
(Foto de Rosângela Ponciano)

A EDUCAÇÃO MORAL DA CRIANÇA NA ESCOLA

A educação moral é a parte mais importante da missão da escola, porque forma o caráter, purifica os costumes, desenvolve os bons impulsos do coração e tem sobre a educação física e a intelectual uma incontestável superioridade.

Quando a criança passa da familia para a escola, trocando os inocentes brinquedos do lar pelas lides do estudo, é mister que a pessoa que vai desempenhar junto a ela as funções de preceptor guie com desvelo e sabedoria os seus primeiros passos através d’aquelle mundo que lhe é inteiramente desconhecido.

Até ali a tenra criancinha só conheceu a doçura das carícias maternas; mas ao completar 7 anos e às vezes mais cedo é arrancada à ledice de seus gentis folguedos e passa da tutela afetuosa de sua mãe para a do professor – uma entidade que ella não conhece e que por essa razão deve recear e temer.

Desde que o primeiro sorriso desponta nos labios da criança deve-se principiar a educá-la, disse-o um ilustrado sacerdote, e é à mãe que cumpre encarregar-se da primeira educação do filho e infiltrar-lhe no coração o gérmen do bem e as notas principiais do caráter.

Dizem que Scott recebeu a primeira inclinação para a poesia por escutar as canções de sua mãe, porque, nas frases do notável moralista Smiles, a infância é como um espelho que no decurso da vida reflete as imagens que primeiro lhe foram apresentadas.

O professor é encarregado de continuar a desenvolver os ensaios de educação feitos pelas crianças no lar, e no desempenho de tal cargo terá muitas vezes que lutar contra pequenos defeitos nascidos na exagerada indulgência de algumas mães, que deixam os filhos seguirem os impulsos da índole e os estouvamentos próprios da idade, sem refletirem nos graves inconvenientes que d’ahi podem resultar.

Se não possuir em alto grau a paciência e a constância, o professor desanimará ante esses obstáculos; mas escudado por essas duas grandes virtudes que lhes devam ornamentar a alma e fortalecê-lo nos momentos de desânimo, chegará a ter bom êxito e conseguirá afastar do coração do seus pequenos discípulos os maus sentimentos que como plantas daninhas queriam ali deixar raízes.

A época mais importante da vida, como disse Richter é a da infância, que quando a criança começa a modelar-se por aqueles com quem convive, por isso a influencia do primeiro professor excederá sempre a dos outros; portanto os pais devem ser cautelosos na escolha d’aquelle que tem de continuar logo depois deles na educação moral e intelectual de seus filhos e nunca entregá-los a uma pessoa destituída de virtudes e incapaz de dar-lhes bons e salutares exemplos.

Hoje que a escola já não é o pesadelo horroroso que assaltava o sono infantil, nem a prisão sombria onde se encerravam longas horas as louras creancinhas, hoje que a palmatória e os castigos vis e estúpidos foram abolidos como indignos da civilização e do adiamento de nossa sociedade, o menino considera o preceptor como um amigo a quem deve amar e venerar. É, pois, facílimo a este aproveitar-se da influência de que goza entre aqueles que educa, para colher ótimos e profícuos resultados na sua nobre missão.

A infância é meiga, propensa à ternura, sincera nas afeições, ávida de carinho. Habituada a ouvir desde o berço a voz melífua que a embalava com ternas canções e a receber suavíssimos beijos dessa providencia humana que se chama mãe e que a cerca de desvelos e cuidados por toda parte, deve continuar a ver no preceptor aquelle vulto simpático a quem ella se inclinava espontaneamente e com quem se entretinha horas inteiras expandindo seus graciosos pensamentos e satisfazendo sua inocente curiosidade.

O professor deve empregar todos os meios para fazer-se amar pelas crianças. Assim tudo conseguirá delas, porque ninguém resiste ao amor; e uma vez certo da afeição de seus discipulos poderá aperfeiçoar-lhes os bons impulsos e tornar-lhes fáceis os deveres da escola.

A religião e a moral - esses dois elementos indispensáveis para a formação do caráter podem ser infiltrados nos corações infantis da maneira mais simples.

Um passeio à beira-mar, uma manhã de estio, uma flor que desabrocha, uma ave que canta, uma abelha que fabrica mel, uma borboleta que esvoaça podem trazer à criança a idéia do autor dessas cousas que tanto enlevam e arrebatam sua imaginação pueril, e o professor terá ensejo de auxiliar-lhe o espírito de observação, infundindo-lhe ao mesmo tempo o amor às ciências naturais.

Quanto a instrução moral deve ser dada por meio de narrações singelas, historietas ao alcance das inteligências infantis, exercícios orais que deverão ser repetidos para ficarem bem impressos no espírito das crianças, para as quais o melhor compêndio de moral é o exemplo.

Uma palavra, uma pergunta, qual quer incidente da vida escolar pode fornecer ao professor variados temas para essas lições.

O amor dos pais, a união fraterna, o patriotismo, o respeito a velhice, a caridade, a benevolência, o amor à verdade e os demais deveres do aluno para consigo e para com os outros ser-lhe-hão cada vez mais gratos desde que os compreenda e se habitue a cumpri-los, avigorando os bons sentimentos pelo exemplo e conselhos que receber.

O professor deve esforçar-se, sobretudo, para acostumar seus discípulos a fazerem o bem pelo bem e sem o interesse de prêmios que, longe de serem um estímulo, trazem sempre como funestas conseqüências a inveja, o orgulho e o ressentimento.

O menino deve habituar-se a obedecer, a estudar, a ser afável e condescendente com os seus condiscípulos, a enxugar as lágrimas alheias, a repartir o pão com o mendigo, porque são esses os seus deveres e achará na sanção da consciência e melhor recompensa dos esforços que empregou para vencer a má índole, a preguiça, o egoísmo etc.

Enfim, se o professor possuir qualidades morais elevadas e se à vocação juntar uma instrução completa e uma educação aprimorada, concorrerá honrosamente para a formação do caráter de seus alunos e contribuirá para o desenvolvimento e progresso de sua pátria realizando a frase do grande Pestalozzi: “O futuro das nações está nas escolas”.

F. Clotilde B. Lima. Revista A Quinzena. Fortaleza - Ceará, 15 de março de 1887 – Fac-Símile pp. 21 e 22. Biblioteca da Academia Cearense de Letras – Fortaleza - Ceará.