terça-feira, 4 de outubro de 2011

FRANCISCA CLOTILDE: A EDUCAÇÃO MORAL DA CRIANÇA NA ESCOLA

FRANCISCA CLOTILDE
(Foto de Rosângela Ponciano)

A EDUCAÇÃO MORAL DA CRIANÇA NA ESCOLA

A educação moral é a parte mais importante da missão da escola, porque forma o caráter, purifica os costumes, desenvolve os bons impulsos do coração e tem sobre a educação física e a intelectual uma incontestável superioridade.

Quando a criança passa da familia para a escola, trocando os inocentes brinquedos do lar pelas lides do estudo, é mister que a pessoa que vai desempenhar junto a ela as funções de preceptor guie com desvelo e sabedoria os seus primeiros passos através d’aquelle mundo que lhe é inteiramente desconhecido.

Até ali a tenra criancinha só conheceu a doçura das carícias maternas; mas ao completar 7 anos e às vezes mais cedo é arrancada à ledice de seus gentis folguedos e passa da tutela afetuosa de sua mãe para a do professor – uma entidade que ella não conhece e que por essa razão deve recear e temer.

Desde que o primeiro sorriso desponta nos labios da criança deve-se principiar a educá-la, disse-o um ilustrado sacerdote, e é à mãe que cumpre encarregar-se da primeira educação do filho e infiltrar-lhe no coração o gérmen do bem e as notas principiais do caráter.

Dizem que Scott recebeu a primeira inclinação para a poesia por escutar as canções de sua mãe, porque, nas frases do notável moralista Smiles, a infância é como um espelho que no decurso da vida reflete as imagens que primeiro lhe foram apresentadas.

O professor é encarregado de continuar a desenvolver os ensaios de educação feitos pelas crianças no lar, e no desempenho de tal cargo terá muitas vezes que lutar contra pequenos defeitos nascidos na exagerada indulgência de algumas mães, que deixam os filhos seguirem os impulsos da índole e os estouvamentos próprios da idade, sem refletirem nos graves inconvenientes que d’ahi podem resultar.

Se não possuir em alto grau a paciência e a constância, o professor desanimará ante esses obstáculos; mas escudado por essas duas grandes virtudes que lhes devam ornamentar a alma e fortalecê-lo nos momentos de desânimo, chegará a ter bom êxito e conseguirá afastar do coração do seus pequenos discípulos os maus sentimentos que como plantas daninhas queriam ali deixar raízes.

A época mais importante da vida, como disse Richter é a da infância, que quando a criança começa a modelar-se por aqueles com quem convive, por isso a influencia do primeiro professor excederá sempre a dos outros; portanto os pais devem ser cautelosos na escolha d’aquelle que tem de continuar logo depois deles na educação moral e intelectual de seus filhos e nunca entregá-los a uma pessoa destituída de virtudes e incapaz de dar-lhes bons e salutares exemplos.

Hoje que a escola já não é o pesadelo horroroso que assaltava o sono infantil, nem a prisão sombria onde se encerravam longas horas as louras creancinhas, hoje que a palmatória e os castigos vis e estúpidos foram abolidos como indignos da civilização e do adiamento de nossa sociedade, o menino considera o preceptor como um amigo a quem deve amar e venerar. É, pois, facílimo a este aproveitar-se da influência de que goza entre aqueles que educa, para colher ótimos e profícuos resultados na sua nobre missão.

A infância é meiga, propensa à ternura, sincera nas afeições, ávida de carinho. Habituada a ouvir desde o berço a voz melífua que a embalava com ternas canções e a receber suavíssimos beijos dessa providencia humana que se chama mãe e que a cerca de desvelos e cuidados por toda parte, deve continuar a ver no preceptor aquelle vulto simpático a quem ella se inclinava espontaneamente e com quem se entretinha horas inteiras expandindo seus graciosos pensamentos e satisfazendo sua inocente curiosidade.

O professor deve empregar todos os meios para fazer-se amar pelas crianças. Assim tudo conseguirá delas, porque ninguém resiste ao amor; e uma vez certo da afeição de seus discipulos poderá aperfeiçoar-lhes os bons impulsos e tornar-lhes fáceis os deveres da escola.

A religião e a moral - esses dois elementos indispensáveis para a formação do caráter podem ser infiltrados nos corações infantis da maneira mais simples.

Um passeio à beira-mar, uma manhã de estio, uma flor que desabrocha, uma ave que canta, uma abelha que fabrica mel, uma borboleta que esvoaça podem trazer à criança a idéia do autor dessas cousas que tanto enlevam e arrebatam sua imaginação pueril, e o professor terá ensejo de auxiliar-lhe o espírito de observação, infundindo-lhe ao mesmo tempo o amor às ciências naturais.

Quanto a instrução moral deve ser dada por meio de narrações singelas, historietas ao alcance das inteligências infantis, exercícios orais que deverão ser repetidos para ficarem bem impressos no espírito das crianças, para as quais o melhor compêndio de moral é o exemplo.

Uma palavra, uma pergunta, qual quer incidente da vida escolar pode fornecer ao professor variados temas para essas lições.

O amor dos pais, a união fraterna, o patriotismo, o respeito a velhice, a caridade, a benevolência, o amor à verdade e os demais deveres do aluno para consigo e para com os outros ser-lhe-hão cada vez mais gratos desde que os compreenda e se habitue a cumpri-los, avigorando os bons sentimentos pelo exemplo e conselhos que receber.

O professor deve esforçar-se, sobretudo, para acostumar seus discípulos a fazerem o bem pelo bem e sem o interesse de prêmios que, longe de serem um estímulo, trazem sempre como funestas conseqüências a inveja, o orgulho e o ressentimento.

O menino deve habituar-se a obedecer, a estudar, a ser afável e condescendente com os seus condiscípulos, a enxugar as lágrimas alheias, a repartir o pão com o mendigo, porque são esses os seus deveres e achará na sanção da consciência e melhor recompensa dos esforços que empregou para vencer a má índole, a preguiça, o egoísmo etc.

Enfim, se o professor possuir qualidades morais elevadas e se à vocação juntar uma instrução completa e uma educação aprimorada, concorrerá honrosamente para a formação do caráter de seus alunos e contribuirá para o desenvolvimento e progresso de sua pátria realizando a frase do grande Pestalozzi: “O futuro das nações está nas escolas”.

F. Clotilde B. Lima. Revista A Quinzena. Fortaleza - Ceará, 15 de março de 1887 – Fac-Símile pp. 21 e 22. Biblioteca da Academia Cearense de Letras – Fortaleza - Ceará.


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