quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

TAUÁ: MARCO PASSAGEM DO SÉCULO XIX PARA O SÉCULO XX

MOMUMENTO COMEMORATIVO DA PASSAGEM
DO SÉCULO XIX PARA O SÉCULO XX
EM HOMENAGEM A JESUS CRISTO REDENTOR

(Vigário Joaquim Ferreira de Melo)

Acontecimento majestoso, sublime, antes para se apreciar que para descrever, foi o que no dia 27 de novembro de 1900, arrebatou o povo Tauaense de seus mansos lares e o transportou às alturas, talvez de 400 metros, ao píncaro de gigantesco penedo, que demora a oeste desta Villa a pouco distância.
 Oh! Arrogante pedra, reconhece o poder insondável da Fé; tu tens a altivez que a natureza sabe dar a seus caprichos, talvez te julgasses até hoje invulnerável, mas d´ora em diante estás obrigada a mostrar ao mundo a onipotência da fé, e ao mesmo tempo a fraqueza do que não é sobrenatural...
Plácido e sereno despontou o memorável 27 de novembro. Celebrada a Santa Missa pelo feliz êxito da empresa, partiram do campanário sagrado festivos sons convidados o povo a seguir caminho fazenda “Humaitá”, para dali transportar o grande madeiro que, sendo por si bastante pesado, tornou-se leve nos braços do entusiasmo cristão.
Surpresa foi desagradável ver-se que limitado era o numero de homens para arcar com o sagrado sinal de nossa fé, mas não pode compensar a ver se saírem de todas veredas que davam para o itinerário traçado, grupos de fies que jubilosos porfiavam em ajudar a levar o sagrado fardo. Em pouco tempo chegou-se a encostar do monte, e com pouco trabalho chegou-se ao topo, no lugar chamado Boqueirão da Gameleira. Um pequeno desvio demorar a viagem, mas talvez tenha também vindo facilitar o transporte da Cruz, por caminho mais longo sim, mas certamente menos pedregoso.
Era belo ver-se todo um povo dominado pelo mesmo entusiasmo, comungando a mesma alegria, animado da mesma fé: um cortava de foice um arbusto que tolhia a passagem, outro rolava uma pedra que fazia tropeço, que procurava lugar mais conveniente, que soltava estridentes e animadores vivas a SS. Virgem, Mãe de Deus, a Jesus Christo, Redentor e a Santa Religião Católica Apostólica Romana.
Começa-se então a subir a pedra que se eleva 40 metros acima do monte; até certo ponto ainda foi o lenho em braço, mas um último degrau devia ser galgado por meio de cordas, o que em um relance foi executado, aumentando o entusiasmo dos espectadores que viram a ingente haste resvalar docemente e que dar-se onde devia ficar erecta. Seriam oito horas da manhã, pouco mais ou menos.
Nas duas horas que houve de intervalo entre a elevação da Cruz e sua ereção, serviu-se a pequena, mas pitoresca refeição que cada um levara previdentemente de casa.
Tudo paz, tudo harmonia. Enquanto os oficiais preparavam o necessário para o levante da Cruz uns contemplavam a altura a que se achavam, outros apontavam as fazendas conhecidas na distância de duas, três e mais léguas, qual mostravam as três verdes fitas dos rios Tricy, Carrapateiras e Favela juntando-se num só possante Jaguaribe, qual fazia tristemente a consideração de que aquele era o único verdor que restava nesta desolada região, e do coração lhe saia uma prece pedindo ao Senhor de todo o credo, que fizesse descer o orvalho do céu, que mudasse o lúgubre cenário em que se estava; aqui, acolá grupos que amistosamente conversaram sobre tão notável acontecimento, além, nas amais agudas pontas intrépidos trepadores saudavam a vastidão do horizonte que nunca tinha visto tão belamente imenso.
A pequena, mas bem sofrível música, a espaços, enchia os ares de harmoniosos acordãos e o coração da multidão de mais um contingente de júbilo.
Deste doce enlevo fomos arrancados pelo grito de – já vão levantar a Cruz – todas vistas dardejavam para o grupo que guindava o imponente madeiro. Mais um minuto e começou-se a ver elevar-se a parte superior da Cruz puxada por duas cordas e sustentada por uma poderosa thesoura.
Um com povo muito superior calou a multidão para só se ouvir a manobra de mestre do ofício a correspondência do que trabalhavam no ato.
Depois de ter a Cruz descrito meio caminho, em sua jornada ascendente, sentiu-se no espírito um esfriar de idéias contrárias – medo e ânimo, sem que a doce esperança pudesse tomar assento nesse rodopiar de contradições: era a Cruz que tinha parado suspensa no ar, por quatro minutos talvez, porque os da tesoura receavam desce-la, temendo que a Cruz caindo os esmagasse, e nisto se estava quando um viva descompassadamente caloroso irrompeu de todos os lábios de escolta com o rouco tiro de enorme bomba real acompanhada de não pequena girândola, coroando tudo o gracioso e entusiasmado dobrado “catolé” habilmente executado: a Cruz tinha caído no fosso, estava em pé; só faltava a aprumar e calçar. Eram talvez dez horas.
A convite da música, todos juntos tomaram caminho da Vila. Olhares repassados de saúde se dirigiam de vez em quando para a graciosa Cruz cheia de sublime majestade, que parecia afastar-se de nós, quando nós é que nos alongávamos dela.
No caminho eram os mais agradáveis comentários: uns notavam a serenidade do tempo, e se rejubilavam de ter tido o astro rei a delicadeza de não nos incomodar com seus raios abrazadores, outros lembram que nem um incidente desagradável ouve que viesse partir nossa felicidade, cada qual, enfim, sentia no coração alguma cousa de insólito que não sabia exprimir.
Um só grupo de homens, mulheres e meninos, entrou na Vila todo radiante de entusiasmo, proporcionando aos que não tinham podido ir ao Quinamuiú, um espetáculo de desusado atrativo. Chegados que fomos a nossa humilde porta, depois de jubilosos vivas a Nossa Senhora do Rosário e a Jesus Cristo, redemptor, dispersou-se o povo levando n’alma a memória de tão solene festa e no coração mais acendrado amor a Jesus Cristo, ao qual seja dada toda honra e toda glória por todos os Séculos.

Vigário Joaquim Ferreira de Melo
Vila de Tauá, 03 de dezembro de 1900
Livro da Paróquia de Tauá
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