terça-feira, 29 de março de 2011

GOMES DE FREITAS: INHAMUNS TERRA E HOMENS

Li com carinho, o artigo sobre ANTONIO GOMES DE FREITAS, de autoria de sua filha Maria Tereza Gomes de Freitas, ao receber a notícia da homenagem prestada pela Secretaria de Educação do Município de Tauá, por ocasião da Semana do Livro. Sou leitora assidua do opúsculo Inhamuns Terra e Homens. No auge de minha juventude, 1972, por ocasião das Campanhas do Livro, organizadas pelo Colégio Antonio Araripe, encabeçadas pela saudosa irmã Mendes, fomos (Fátima Lima e eu) recebidas por nosso conterrâneo Antonio Gomes de Freitas em sua residência (Rua Tibúrcio Cavalcante - Fortaleza). Ele foi atencioso e prestativo. Sabedor que eu era filha de Adauto Cavalcante Mota e Ana (Naninha) Custódio Mota (de Marruás), confessou ser compadre deles, padrinho que fora de meu irmão Antonio Custódio Mota, a quem ofertou um exempar.

Inhamuns: Terra e Homens fulgura nos Referencias Bibliográficos em dois trabalhos nossos: FRANCISCA CLOTILDE: Uma Pioneira da Educação e da Literatura no Ceará (2007), assim como em JOAQUIM DE SOUSA BASTOS e o Clã Campo Preto (2010).

Com satisfação de conterrânea, trago trechos do discurso proferido por HUGO CATUNDA, recepcionando  ANTONIO GOMES DE FREITAS, como Membro do INSTITUTO DO CEARÁ:


"Este templo no qual vindes respirar as auras propícias à maior expansão do vosso espírito de investigador do passad, é também chamado, lá fora, a Casa dos Anciãos.

Aqui, pois, ninguém envelhece. Porque quem investiga o passado universaliza a visão e o conhecimento, renovando-se na dinâmica de um trabalho de profundidade, de força redescobridora de um mundo realmente vivido e sofrido e de seus reflexos no presente, vivendo, por issos, a plenitude dos tempos.

A crônica histórica e social dos Inhamuns, do nosso sertão natal, muito ganhou, sem dúvida, com a vossa curiosidade investigadora, a aí estão, nos vossos trabalhos, a revelação dos fatos que no passado particularizaram aquelas terras distantes como teatro de lutas acesas e de acontecimentos rumorosos que enchem a nossa história.

Homem telúrico, tudo no nosso sertão agreste vos convida a comungar com a natureza e a fazer dela um objeto de culto e devoção panteísta. Há anos afastado daqueles cenários, guardastes, porém a nostalgia cósmica, a lembrança sentida e amorável dos campos natais, dos seus vales, das suas ravinas, das suas várzeas e tabuleiros cheios de silêncios e, às vezes de assombros, com a sua gente triste e poética, também cheia de bravura e canções, de crendices e misticismos.

A paisagem distante e essas figuras que a povoaram, que a povoam ainda, estão, com efeito, presentes em todos os vossos escritos – animadas, ingênuas e boas, em definições autênticas e vibrações vitais.

E este vosso apego às cousas da gleba, este prazer de esmiuçá-las e reproduzi-las com afetividade nos vossos escritos, vos levaram fatalmente, à curiosidade de ir além de pesquisas, e inquirir fatos tão mais distantes, que deram colorido à nossa história e dramatizaram a vida do homem naqueles pagos sertanejos.

O vosso livro – Inhamuns: Terra e Homens, a ser lançado brevemente, registra-se com um luxo de detalhes e minúcias até então ignorados, focalizados à luz de uma farta documentação que repõe os acontecimentos na sua verdadeira dimensão, na sua autêntica historicidade.

E daí a vossa afirmação como cultor da história, como cronista que rebusca no passado as ações e o comportamento que exaltam e enobrecem a vida dos nossos antepassados, e definem a importância do papel que, no arborescer da nacionalidade, desempenham na nossa formação social e política.

Todas aquelas impressões, todas aquelas figuras tão sentidas nos fatos remotos que fazeis ressurgir da noite dos tempos, emprestam aos vossos escritos e ao vosso livro um sentimento preciso das cousas, uma lúcida visão retrospectiva daquele paramos distantes que repassam emocionalmente na vossa imaginação realista, e sem os quais é impossível reviver evocativamente o vigor primitivo daquelas cousas que parecem escoadas na voragem dos tempos, daquelas cousas adormecidas na quietude das idades, através das quais chegais a descobrir valores novos e nova correspondência entre paisagem e as figuras humanas que a empolgaram.

E se elas retornassem à vida real, como surgiram das vossas evocações sentidas, para contemplar esses cenários que encheram de lutas e sacrifícios, de angústias e heroísmos, com os quais assentaram os fundamentos de nossa existência e da grandeza do progresso de que hoje nos envaidecemos, certo diriam como no verso de Quental: “Nem foi demais o sacrifício e a dor...”

Sr. Gomes de Freitas, toda a vossa Obra no campo da Historiografia já analisada pelo sucesso que vos abriu as portas ilustres do Instituto do Ceará, somada às vossas atividades na vida social e política, onde ocupastes funções de relevo, desempenhadas com dignidade e fervorosa dedicação à nossa terra, como parlamentar, líder político, vereador e prefeito da capital alencarina, constituem o justo garbo com que vos projetais no cenário cearense, e agora, no seio desta casa que vos recebe com o calor de sua cordialidade e os afetos da sua simpatia, para as comunicações fraternas do nosso convívio.

Com as modestas palmas da minha palavra, eu vos saúdo em nome do Instituto do Ceará que, vos empossando, o faz augurando-vos boa e fecunda tarefa nessa cadeira que vindes enobrecer.

Sede bem-vindo!"

(Ver Discurso completo: Revista do Instituto do Ceará, t. LXXXIII, 1969 p. 158-162).

(Ver Discurso de Posse de Antônio Gomes de Freitas como Sócio Efetivo no Instituto do Ceará, na Revista do Instituto, T. LXXX, 1969 p. 163-173).  

sábado, 26 de março de 2011

FRANCISCA CLOTILDE: A SECA E O INVERNO NO CEARÁ

A sensibilidade é muito clara na poesia de Francisca Clotilde.
Por ocasião da Seca do ano de 1915, a tão famosa "SECA DO QUINZE "
do Século passado, ela canta a amargura do irmão flagelado,
contextualizando o Êxodo Rural, através do soneto abaixo:

PARA O IGNOTO
(Ao ilustre Cel. Probo Câmara)

Eles têm que partir!... A caravana triste
Despede-se a chorar de doce abrigo,
No campo nem sequer uma florzinha existe,
O flagelo varreu todo o esplendor antigo!

A casinha, esta sim, tão alva inda persiste,
Inda guarda o verdor o juazeiro amigo;
Mas, lá longe, na estrada, o horror, o desabrigo,
A saudade cruel a que ninguém resiste!

E eles têm de partir! O rossicler do dia
Já brilhou no horizonte em clarão de agonia,
A lembrar-lhe o exílio em um país remoto.

Olham mais uma vez a casa... o céu azul
E se vai chorar o triste bando exul,
Em procura do Além, em busca do Ignoto.

Francisca Clotilde. Revista A ESTRELLA, Aracati, ago/set. de 1915.

Contribuição de Anamélia Mota no http://www.soneto.com.br/sonetos.php?n=9794

E num êxtase de alegria, no ano seguinte, pós "Seca do Quinze", Francisca Clotilde nos presenteia com o soneto,

SORRISOS DE ABRIL
 (À alma lirial de Gilberta Galvão)

O sorriso de Abril!...A graça insonte e meiga
Que se evola da flor e que brota no ninho;
O perfume, a poesia que dentro em nós se arreiga
Do campo verde, ao mais vivo carinho.

É tudo encantador... A brisa mais se ameiga,
Corre manso o regato na orla do caminho,
Reverdece da planta o trêmulo raminho
Tudo canta e sorri pela extensão da veiga!

O coração palpita e sonha à luz dourada
Que do aul nos inspira a rima abençoada,
Trescalando de afeto e ternura sutil;

Primavera no campo e primavera n’alma,
Foge a treva da dor e o coração se acalma
Ante a graça aromal do sorriso de Abril!
(F. Clotilde. Revista A Estrela. Aracati, abr. de 1916)

Contribuição de Anamélia Mota no http://www.soneto.com.br/sonetos.php?n=10210

Ver também em MOTA, Anamélia Custódio. FRANCISCA CLOTILDE: Uma Pioneira da Educação e na Literatura no Ceará. Canindé, 1997.

quinta-feira, 24 de março de 2011

A ABOLIÇÃO NO CEARÁ

"É preciso fazer da fraqueza da mulher o mais forte dos poderes, a evangelização pelo encanto, a libertação pela magia de sua graça".
 (José do Patrocínio)

Era 25 de março de 1884. O Ceará pode oferecer a Nação o exemplo da Abolição dos Escravos. O fenômeno teve repercussão internacional, tanto que, José do Patrocínio, impossibilitado de estar presente, como planejara, festeja mesmo lá na Europa, oferecendo à imprensa francesa, em honra do feito, um banquete de confraternização, no decorrer do qual lê a mensagem de Victor Hugo em resposta à carta que lhe fizera:

 _ Uma província no Brasil acaba de declarar extinta a escravidão no seu território. Para mim a notícia é extraordinária. Os jornais da Cidade Luz salientam o fato com francas simpatias e as notícias repercutem jubilosamente no Rio de Janeiro e nos demais recantos do Brasil.

Segundo Nélson Werneck Sodré: "O movimento abolicionista, em 1884, alcança vitória de grande repercussão: a província do Ceará extingue o cativeiro em seu território. Resultado da mobilização das camadas populares, dos empregados do comércio, dos trabalhadores de terra e do mar, dos heróicos jangadeiros, que paralisaram o tráfico negreiro interprovincial, recusando-se a transportar escravos, dos intelectuais, com o jornal Libertador à frente, como órgão da Sociedade Cearense Libertadora. O acontecimento foi amplamente comentado pela imprensa abolicionista em todo o País e motivou a multiplicação de órgãos que se batiam pela causa libertadora".

Joaquim Nabuco em exaltação ao Ceará pela Abolição, afirma: "Os brasileiros hão de reconhecer no cearense o precursor da transformação Nacional. Esplêndido farol dos nossos argonautas, das nossas liberdades! Quanta glória, ó terra predestinada: ser a primeira entre as vinte irmãs, a Fenix imortal da seca, vítima augusta da incapacidade governamental, da covardia da política e de atrós ganância dos traficantes. Como és belo Ceará".

Raimundo Girão descrevendo o momento histórico em que Dr. Sátiro de Oliveira Dias declarou: “A província do Ceará não possui mais escravos”, afirma: "É indescritível então o que passou!... Antonio Bezerra, ‘alma de poeta e verdadeiro bardo das campanhas abolicionistas’; Sousa Melo ‘coração sempre aberto às grandes causas’, e Francisca Cotilde recitaram versos próprios; e só as três e meia terminou a delirante solenidade".

Vejamos, pois, o acróstico criado e recitado pela poeta Francisca Clotilde, naquela ocasião jubilosa, o qual ela dedica "aos libertadores":

          O CEARÁ É LIVRE

O fim é este! Ousados Paladinos

Chegastes ao thabor cheios de glória
E a fronte ides alçar ao som dos hinos
Aos cânticos festivos da vitória
Ressoe o brado augusto da amplidão:
Aqui hoje se estreita um povo irmão!

É livre o Ceará, reina a igualdade:

Livres somos! Triunfa a nova idéia!
Imensa se levanta a liberdade
Vencendo aos belos campos na epopéia
Rompe as brumas com a loura alvorada
E a aurora de Deus surge abrasada.

MOTA. Anamélia C. Francisca Clotilde: Uma Pioneira da Educação e da Literatura no Ceará. Caninde, 1997. p. 30-38.

ABOLICIONISMO POR SERAFINA PONTES

"Eram grandes amigas, e fraternas, a autora do Livro d'Alma (Serafina Pontes) e a polimorfa escritora cearense Francica Clotilde"
(Otacílio Colares)

Serafina Pontes, assim como Francisca Clotilde, estão nos Anais da História do Ceará como membros da Sociedade das Senhoras Libertadoras. Insisto, no resgate de produções dessas mulheres abolicionistas, pelas palavras de Francisca Clotilde: " tenho orgulho de ser cearense e gostaria de cantar aos quatro ventos as glórias imorredouras da minha terra". 

Viva o 25 de Março de 1884!

ABOLICIONISMO

Desde que Deus me concedeu
Pleno uso da razão
Eu amei a liberdade
De todo meu coração.
Fui sempre abolicionista
Via no escravagista
Um algoz da humanidade.
Voltei ódio ao preconceito
Que fez o homem sujeito
Vendido! Que impiedade!

Nunca pude habituar-me
Com tamanha barbaria
Mercar-se o gênero humano,
Não há maior tirania!
Sempre quando a Deus orava
Com fervor lhe suplicava
Que extinguisse o cativeiro,
E me sentia humilhada
Por ver tão aniquilada
Esta terra do cruzeiro.

Meu Deus concedei-me vida
Para ter a satisfação
De ver no Brasil extinta
A nódoa da escravidão
E tu, oh! escravocrata
Deixa de trocar por prata
O teu inditoso irmão!

PONTES. Serafina In: MOTA. Anamélia C. FRANCISCA CLOTILDE: Uma Pioneira da Educação e da Literatura no Ceará. Canindé, 2007, p.118.

segunda-feira, 21 de março de 2011

A LIBERDADE (FRANCISCA CLOTILDE)

Dia 25 de março comemora-se no estado do Ceará, a ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA, fruto da luta de homens e mulheres compadecidos com o sofrimento do povo escravizado. Vejamos abaixo o POEMA " A LIBERDADE" , de autoria de nossa ilustre poeta tauaense FRANCISCA CLOTILDE.

A LIBERDADE

Somem-se as trevas horríveis
Além desponta uma luz
É a liberdade que surge
Nos horizontes azuis.
Dos lábios puros de um mártir
Nasceu repleta de luz
Traz em seus lábios a paz
É santa vem de Jesus.

Tem por preceitos sublime
O amor a caridade
É grande, imensa, divina
Esta sublime deidade.
A sua voz poderosa
Faz heróis na mocidade
Todo aquele que a defende
Tem por preito a eternidade.

Ergue o seu braço potente
Sua bandeira hasteou
Lutando com a tirania
Foi heróica e triunfou.
Aos vis infames negreiros
Seus nobres filhos mostrou
E o cativeiro maldito
Seus pés baqueou.

Qual Judite na história
Que a seus irmãos libertou
Com um heroismo sublime
Que a elofones matou.
Na pátria de Tiradentes
A liberdade raiou
É grande, heróica, altaneira
O cativeiro esmagou.

No Brasil, pátria de heróis
Não deve haver mais escravos
Não deve esta mancha negra
Tingir a fonte dos bravos.
Ei-la 0h! moços cearenses
Avante, avante marchai
De nossa pátria querida
O cativeiro expulsai.

Coragem, marchai sem medo
Unidos, vos dando as mãos
É belo dizer sorrindo:
Todos nós somos irmãos.
Tereis depois do combate
Os louros verdes da glória
Que os heróis sempre revivem
No grande livro da história.

FRANCISCA CLOTILDE. JORNAL GAZETA DO NORTE, 06 de agosto de 1882, p. 04