quarta-feira, 20 de julho de 2011

*****A MULHER NA FAMÍLIA (Por Francisca Clotilde, 1887)*****

    flores que se desenvolvem na liberdade do campo;
 há outras, porém, que apenas nos limites de um jardim e
 cultivadas por mão hábil podem crescer e desabrochar.
(Francisca Clotilde)
"É no lar, santuário íntimo de seus mais puros afetos que a mulher deve ostentar verdadeiramente a bondade a ternura de seu coração, tornando-se o anjo da guarda do esposo e dos filhos e lhes inspirando o bem e a virtude.
        A natureza dando à mulher uma constituição fraca e um temperamento nervoso não a destinou à vida da luta, no seio da sociedade, entregue às agitações e ao afã dos negócios; reservou-a como uma relíquia mimosa para a família, para aformosear este pequeno mundo intimo, onde ela tem de exercer sua benfazeja influência no tríplice papel de filha, esposa e mãe.
         Com efeito, se ela ultrapassando o limite que lhe foi traçado por mãe sábia e previdente atirar-se ao torvelinho do mundo, entregando-se á vida tumultuária que compete ao homem, gastará as forças e cairá extenuada sob o peso da difícil tarefa que empreendera, sem ter realizado o ideal que aspirara e conhecendo talvez muito tarde que não era este o seu papel.
        Há flores que se desenvolvem na liberdade do campo; há outras, porém, que apenas nos limites de um jardim e cultivadas por mão hábil podem crescer e desabrochar.
        A mulher assemelha-se a essas últimas flores, e no recinto da família, cercada dos cuidados dos entes que a idolatram, e por sua vez enchendo-os de desvelos e solicitude é que pode mostrar a exuberância de seu coração e a beleza de sua alma.
      Houve, porém, mulheres que se imortalizaram por feitos gloriosos e que a história nos apresenta como verdadeiras heroínas.
      Desde os mais remotos tempos, quando a humanidade no embrião da civilização lutava ainda com as trevas do obscurantismo, a mulher surgiu iluminada por um esplendor divino patenteando o poder e a força irresistível de sua fraqueza.
      Todos os vultos femininos que admirarmos na história antiga podem ombrear com as heroínas da idade média e com as mulheres célebres da nossa época, nas quais a civilização imprimiu um beijo de luz.
      Se Judith embebeu na garganta do opressor dos judeus o punhal homicida, Roland emaranhou-se na política para destronizar um rei pusilânime e aclarar a Franca com o sol da liberdade, e servindo-se do gládio de sua pena inspirada com ela acutilou o despotismo e a tirania.
      Seria longo repetir os nomes dessas mulheres que se imortalizaram, mas não teremos entre nós outras heroínas iguais a essas que arrastadas pela força do gênio se atiraram na arena da luta por amor de uma idéia, ou pelo fanatismo de uma causa?
      Sem sair da doce obscuridade do lar não poderá certamente a mulher figurar na história, ao lado do homem como o protótipo do virtudes cívicas; porém que melhor celebridade para ela do que reviver eternamente no coração de seus filhos, adorada, reverenciada como um modelo de virt udes e boas qualidades?
       Que melhor glória do que educar futuros cidadãos que saibam honrar a pátria e engrandecê-la com o mérito que sempre resulta das boas ações?
        Na família é a mulher a companheira do homem, a educadora dos filhos.
        Portanto não deve esquecer nunca que dela dependem a felicidade e o futuro das tenras criaturas que nela se revêem como em um espelho que deve refletir as mais belas e puras imagens; que lhe cumpre velar incessantemente para desenvolver o bem naqueles corações ingênuos e inexperientes, procurando todos os meios para depositar neles o gérmen que deverá produzir no decurso da vida bons e salutares frutos.
       Uma mãe na alma dos filhos com uma perspicácia, verdadeiramente admirável.
       Uma língua que balbucia, uma face que cora, um olhar que se perturba são para ela indícios de uma má ação que é preciso conhecer e cuja repetição deve ser evitada para que não traga serias conseqüências.
       Então, com a doçura que ela possui, com essa previdência quase divina, segue os assos vacilantes do filho e cercando-o de uma prudente vigilância consegue desviá-lo do mal.
      O menino molda-se à sua vontade, à sua influência, e guiado pelo amor solícito e desvelado que ela lhe dedica cresce nas melhores disposições, e tornando-se homem, se encontra na esposa a mesma ternura prossegue na senda do bem, da qual o poderão afastar o turbilhão de paixões desencadeadas e furiosas.
      Ele pode resvalar uma vez, mas é sustido à borda do abismo por uma angélica e carinhosa mão. Retrocede, e vai buscar no asilo que abandonou um instante o esquecimento de sua loucura.
      A mulher digna de sua nobre missão transforma o lar em um paraíso e consegue com um sorriso desviar dele todas as aflições, desterrar todas as tristezas.
      Com uma acenada economia mantém o equilíbrio dos negócios domésticos, e coloca as despesas ao nível dos meios de que o marido pode dispor.
      Desdenha os ornatos frívolos, e faz das boas maneiras e das graças que dá a educação a par da amabilidade, o seu principal adorno.
     Encarrega-se de instruir o espírito dos filhos, e para isso deve possuir uma boa soma de conhecimentos úteis e uma instrução aprimorada.
     Nos agradáveis serões familiares entretém com os dotes de sua inteligência o prazer e a união, evitando assim que o marido e os filhos vão procurar freqüentemente em outra parte as distrações que podem ter ao lado dela, e em um delicioso conchego solidifica o edifício de sua felicidade, e estreita cada vez mais os laços formados pelo sangue e pelo amor.
      Não quero dizer com isto que ela se abstenha de freqüentar a sociedade e que se encerre em casa, o que seria monótono e fastidioso.
      Deve pelo contrário cultivar boas relações, tendo, porém, o máximo cuidado em escolhê-las, porque assim como uma amiga sincera é um tesouro de raro valor, também uma amiga fingida é uma serpente que mais cedo ou mais tarde inocula o veneno de sua alma naqueles com quem convive.
        A boa esposa auxilia em todas as ocasiões com prudentes conselhos o companheiro de sua vida, e nunca o inibe de tornar-se útil á sociedade e a seus semelhantes por um exagerado egoísmo e um excessivo afeto mal entendido.
          É ela a primeira a dizer-lhe o que deve fazer, e tornar fácil o que lhe parecia difícil, a compartilhar as decepções e prazeres que lhe sobrevenham nas alternativas da vida, sendo sempre a amiga desvelada e carinhosa pronta a derramar gota a gota o amor que se alberga no seu coração sobre a existência daquele a quem ligou a sua.
          Não será mil vezes mais glorioso desempenhá-lo e fazer da criança um homem útil à pátria e à família do que sentar-se nos bancos de academias em busca de um pergaminho, ou acompanhar os vaivéns da política, duende fatal que deve amedrontar até os animais varonis?
        Não será mais proveitoso para a mulher entreter-se horas e horas a cuidar das lides domésticas e a velar pelo bem estar da família do que entregar-se ao desempenho de cargos públicos, nos quais gasta a saúde e aniquila o espírito?
       Longe vai felizmente a era obscura em que ela agrilhoada ao mais cruel preconceito e sob o jugo de uma lei bárbara era uma escrava, um simples objeto de luxo para o homem.
       Hoje existe por si mesma, conhece seus deveres, pode dispor de luzes suficientes para não se perder na noite da ignorância, e fazendo do lar o seu mundo, concentrando na família as suas mais caras aspirações viverá feliz e fará a felicidade dos outros.
      Educai, pois, a mulher, ajuntai aos dotes naturais que a embelezam os encantos de um espírito cultivado, avigorai-lhe os bons sentimentos, tornai-a enfim digna de educar os filhos e prepará-los para a vida completa, e ela será um diamante de inexcedível valor, a lâmpada maravilhosa a espargir luz em torno do lar, a fonte de onde dimanarão a prosperidade e a ventura de família".


[1] F. CLOTILDE. Revista A Quinzena. Fortaleza, 15 de março de 1887 e  30 de março 1887, p. 47-48.

Nenhum comentário:

Postar um comentário