terça-feira, 12 de abril de 2011

FRANCISCA CLOTILDE X JOSE DE ALENCAR

Francisca Clotilde, autora de A DIVORCIADA (1902), inicia o referido romance com o CARTÃO DE VISITA, o qual transcrevemos:

CARTÃO DE VISITA
"Não pense o leitor benévolo que vai ter diante dos olhos um romance de cenas aparatosas, cheio de peripécias emocionantes e de lances extraordinários.
É uma história singela de duas criaturas que se amaram com pureza, e as quais o destino torturou acerbadamente antes de dar-lhes a felicidade almejada.
A maior parte da ação desenrola-se no campo, num pequenino povoado, em plena existência matuta, por entre a harmonia dos ninhos, traduzida pelos gorjeios das aves festivas.
Trescala a narração o aroma das flores agrestes, é um inocente idílio que pode ser compreendido por olhar casto.
Não está filiado a escola alguma dos Mestres; e seus personagens existem, e a cor verdadeira que apresentam é o mérito único da obra extremamente singela.
Revelam os inúmeros defeitos, a simplicidade rústica da forma, a pobreza de colorido, devido talvez ao meio excessivamente burguês em que se deslizou a vida da – Divorciada.
A autora"
***
Vejamos o pensamento  de Francisca Clotilde enquanto leitora de José de Alencar e seu ponto de vista sobre o romance IRACEMA (1865):  
"Num blandicioso estilo comparável ao canto do sabiá, na espessura da mata, em alvorecer primaveril, José de Alencar, glória da Terra cearense, idealizou o tipo gracioso dessa índia em cujo coração se acrisolavam os sentimentos fortes de uma raça selvagem e a meiguice empolgante de uma alma de donzela aprimorada ao sopro da civilização.
Livre como a corsa, ela palmilhava os sertões e mirava o rosto moreno, de traços corretos, na limpidez das águas da lagoa, cristalizadas aos esplendores do sol.
Desprendiam festivos cantares quando a aurora roseava o céu e as flores silvestres que desatavam as pétalas embalsamando os campos do Ipu ornava-lhe os cabelos opulentos e negros.
Os guerreiros mais famosos encontravam-na esquiva e ao fitarem a luz de seus olhos e o frescor de seus lábios rubros entreabrindo sorrisos álacres, pensavam que IRACEMA era talvez um gênio superior, a virgem privilegiada que Tupã   destinara para proteger com a candidez de sua existência imaculada e descuidosa os valentes filhos dos Tabajaras.
Poema estremecido de imagens belíssimas iluminado pelas fulgurações dos astros que matizam o céu azul que se estende sobre a Pátria do grande escritor. Apresenta-nos a visão lendária no grácil abandono de repouso à sesta, nos claros da floresta, ou mais tarde errando desolada pelos ermos sertões, a repetir o nome de Moreno à variação cariciosa, na hora contemplativa da saudade, ao morrer do dia.
Imortalizada pelo gênio de Alencar, o mimoso perfil dessa lenda selvagem, vencido pelo guerreiro branco, reflete-se através dos tempos sobre as alvas praias e as risonhas dunas que orlam os "verdes mares" marcando uma nova fase à literatura indígena e mostrando em colorido vivo, brilhante, a sensibilidade, a delicadeza e os afetos de uma alma feminina expandindo-se ao calor das silvas, grande na sua dedicação, sublime no generoso desprendimento com que esquece tudo e carpe como a ave solitária às margens pungentes da ventura perdida".


Fontes: F. CLOTILDE. Revista Ceará Intelectual. Fortaleza, 1910.
Francisca Clotilde. A Divorciada.Ceará: Terra Bárbara, 1996, 308 p. 
MOTA. Anamélia Custódio. Francisca Clotilde: Uma Pioneira da Educação e da Literatura no Ceará, Canindé, 2007, 153 p.


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