IRACEMA JOSE DE ALENCAR
Por Francisca Clotilde
Num blandicioso estilo comparável ao canto do sabiá, na espessura da mata, em alvorecer primaveril, José de Alencar, glória da Terra cearense, idealizou o tipo gracioso dessa índia em cujo coração se acrisolavam os sentimentos fortes de uma raça selvagem e a meiguice empolgante de uma alma de donzela aprimorada ao sopro da civilização.
Livre como a corsa, ela palmilhava os sertões e mirava o rosto moreno, de traços corretos, na limpidez das águas da lagoa, cristalizadas aos esplendores do sol.
Desprendiam festivos cantares quando a aurora roseava o céu e as flores silvestres que desatavam as pétalas embalsamando os campos do Ipu, ornava-lhe os cabelos opulentos e negros.
Os guerreiros mais famosos encontravam-na esquiva e ao fitarem a luz de seus olhos e o frescor de seus lábios rubros entreabrindo sorrisos álacres, pensavam que IRACEMA era talvez um gênio superior, a virgem privilegiada que Tupã destinara para proteger com a candidez de sua existência imaculada e descuidosa os valentes filhos dos Tabajaras.
Poema estremecido de imagens belíssimas iluminado pelas fulgurações dos astros que matizam o céu azul que se estende sobre a Pátria do grande escritor.
Apresenta-nos a visão lendária no grácil abandono de repouso à sesta, nos claros da floresta, ou mais tarde errando desolada pelos ermos sertões, a repetir o nome de Moreno à variação cariciosa, na hora contemplativa da saudade, ao morrer do dia.
Imortalizada pelo gênio de Alencar, o mimoso perfil dessa lenda selvagem, vencido pelo guerreiro branco, reflete-se através dos tempos sobre as alvas praias e as risonhas dunas que orlam os "verdes mares" marcando uma nova fase à literatura indígena e mostrando em colorido vivo, brilhante, a sensibilidade, a delicadeza e os afetos de uma alma feminina expandindo-se ao calor das silvas, grande na sua dedicação, sublime no generoso desprendimento com que esquece tudo e carpe como a ave solitária às margens pungentes da ventura perdida.
F. CLOTILDE. Ceará Intelectual. Fortaleza, 1910.
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